Dia Mundial sem Tabaco
30 de maio de 2020Cidades Brasileiras – 136 tons de pele
4 de junho de 2020É para se pensar…
Fausto Antonio de Azevedo
A Editora Boitempo (https://www.boitempoeditorial.com.br/) lançou um conjunto de ebooks que analisam a pandemia sob distintas facetas. “Pandemia Capital” traz livros curtos de diferentes autores: Alysson Leandro Mascaro, Christian Dunker, Giorgio Agamben, Slavoj Zizek, Boaventura de Sousa Santos, Angela Davis, Naomi Klein e Talíria Petrone…
O filósofo italiano Agamben (nascido em Roma, 1942) é bastante conhecido, lido e debatido, por conta de sua grande obra “Homo Sacer” (disponível parcialmente em português: “Poder Soberano e Vida Nua” e “Estado de Exceção”), e é também um destacado e respeitado crítico da contemporaneidade. Em “Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia”, coletânea de seis artigos escritos entre 26 de fevereiro e 13 de abril de 2020, presente na série, ele chama a atenção, ainda que venha provocando grande controvérsia com isso (mas é para se pensar), para os aspectos da perda da liberdade (perda ou entrega ou troca…) individual e coletiva sob os diferentes manejos propostos para o enfrentamento da situação. Ele explica:
“As reflexões que se seguem não dizem respeito à epidemia, mas ao que podemos compreender das reações dos homens relativamente a esta. Trata-se, isto é, de refletir sobre a facilidade com que uma sociedade inteira aceitou sentir-se contaminada, isolar-se em casa e suspender as suas condições normais de vida, as suas relações de trabalho, de amizade, de amor e até mesmo as suas convicções religiosas e políticas. Porque não tiveram lugar, como era possível imaginar e como habitualmente sucede nestes casos, protestos e oposições?
“A hipótese que gostaria de sugerir é que de alguma forma, ainda que inconscientemente, a peste já existia, e que, evidentemente, as condições de vida das pessoas tinham-se tornado tais que foi suficiente um sinal repentino para que estas surgissem pelo que eram – isto é, intoleráveis, como uma peste. E este, de certa maneira, é o único facto positivo que pode ser extraído da atual situação: é possível que, mais tarde, as pessoas se comecem a perguntar se o modo como viviam era o certo.
“E aquilo sobre o qual não devemos deixar de refletir é a necessidade de religião que a situação faz surgir. É indício de tal, no discurso insistente dos media, a terminologia tomada de empréstimo ao vocabulário escatológico que, para descrever o fenómeno, usa obsessivamente, sobretudo na imprensa americana, a palavra «apocalipse» e invoca, explicitamente, o fim do mundo. É como se a necessidade religiosa, que a Igreja já não está em condições de satisfazer, procurasse às escuras um outro lugar de consistência e o encontrasse naquilo que é, de facto, a religião do nosso tempo: a ciência.
“Esta, como qualquer religião, pode produzir superstição e medo ou, em qualquer caso, ser usada para disseminá-los. Nunca como hoje se assistiu ao espetáculo, típico das religiões nos momentos de crise, de opiniões e prescrições diferentes e contraditórias, que vão desde a posição minoritária herética (também representada por cientistas de prestígio) daqueles que negam a seriedade do fenómeno até ao discurso ortodoxo dominante que o afirma e, no entanto, diverge radicalmente na forma de lidar com ele.
“E, como sempre nesses casos, alguns especialistas conseguem garantir o favor do monarca, que, tal como na época das disputas religiosas que dividiam o cristianismo, toma partido de acordo com os seus interesses por uma corrente ou por outra e impõe a sua medida.
“Uma outra coisa sobre a qual devemos pensar é o colapso evidente de qualquer convicção ou fé comum. Dir-se-ia que os homens não acreditam em nada – exceto na existência biológica nua que deve ser salva a qualquer custo. Mas sobre o medo de perder a vida só uma tirania pode ser fundada, só o monstruoso Leviatã com a sua espada desembainhada
“Por isto – quando a emergência, a peste, for declarada terminada, se isso alguma vez acontecer –, não penso que, pelo menos para aqueles que mantiveram o mínimo de lucidez, seja possível voltar a viver como antes. E esta é talvez hoje a coisa mais desesperante – mesmo que, como já foi dito, ‘só a quem já não tem esperança, foi alguma vez dada a esperança’ ”.
[Publicado originalmente no site da Quodlibet, quarto texto de Agamben sobre a atual epidemia do coronavírus: https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-riflessioni-sulla-peste; tradução de Pedro Levi Bismarck e Luhuna Carvalho: https://www.revistapunkto.com/2020/03/reflexoes-sobre-peste-giorgio-agamben.html?fbclid=IwAR2KAHkTGxZPLsyLonkJFNQ-si5bUavphymGxfOsbmWLm-db6NnJvYmA488 .]
AGAMBEN, Giorgio. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. [Tradução: Isabella Marcatti, Luisa Rabolini.] São Paulo: Boitempo Editorial (Série Pandemia Capital), 2020.
Formato: eBook Kindle (Tamanho do arquivo: 1747 KB). Vendido por: Amazon: https://www.amazon.com.br/Reflex%C3%B5es-sobre-peste-pandemia-Pandemia-ebook/dp/B088GL8X1S