Entre o conhecido e o suspeito – um suposto não-saber ainda…
21 de maio de 2020Dia Mundial sem Tabaco
30 de maio de 2020Fausto Antonio de Azevedo
Palavras chave: psicanálise, psicologia, pandemia, Coronavírus, Covid-19, suicídio.
De acordo com o psiquiatra forense Alfredo Calcedo Barba, professor titular no Hospital General Universitário Gregorio Marañón, Universidade Complutense de Madri, em postagem feita em sua página no Linkedin, “É preciso que se despsiquiatrize e despsicologize as respostas emocionais normais vistas durante a pandemia. Na grande maioria dos sofrimentos, não há necessidade de intervenção profissional. Apoio da família e amigos é suficiente” (https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6669220353459458049/). Muito aguda tal observação e foi por indicação dela que pude chegar ao texto “Uma pandemia de psicologia-pop”, de Dj Jaffe (autor de “Consequências insanas: como a indústria da saúde mental falha com os doentes mentais”, diretor executivo da “Mental Illness Policy Org.” e membro adjunto do “Manhattan Institute for Policy Research, MI”, uma das principais “think tanks”1 do mercado livre – a respeito de Jaffe ver: https://www.manhattan-institute.org/expert/d-j-jaffe e https://pt-br.facebook.com/MentalIllnessPolicy), apresentado no “City Journal” (https://www.city-journal.org/), em 14/maio/2020, no endereço web: https://www.city-journal.org/mental-health-spending-during-coronavirus. Jaffe nos diz: “Os defensores da saúde mental estão mais focados no estresse e na ansiedade normais causados pelo coronavírus do que na melhoria do atendimento àqueles que mais precisam.”
Se é válida e correta a preocupação dos profissionais da assim chamada área “psi” para com (i) todos os que atuam nos quadros de saúde que combatem o vírus, atendendo aos pacientes, (ii) todos os familiares seus e dos pacientes, e, em suma, (iii) todos nós, porque todos estamos envolvidos nesse panorama assustador e desestruturador ao mesmo tempo, por outro lado há que prevalecer também a dose adequada de bom senso exatamente para que não se proporcione uma overdose de “psiquialização” de um sofrimento humano pertinente e, quiçá, até fortalecedor para o enfrentamento às exigências. Dizia minha sábia avó e com ela aprendi a compreender a expressão “Nem tanto ao mar nem tanto à terra”. O grande desafio é sempre calcular a dose certa, como tão bem aprendi durante meus cursos de farmacologia, e não é fácil, acredite-se, eu sei que não é fácil que se consiga chegar à dose farmacocineticamente correta de qualquer terapêutica. De outra parte, não devemos subestimar jamais a capacidade humana de superação: se somos frágeis, sobretudo em momentos estressores como o atual, podemos ser também supreendentemente fortes, resistentes, heróicos até, como tão bem ensinaram Santa Catarina de Sena e, mil anos antes dela, Santo Agostinho. Valorizemos assim esse nosso potencial admirável de coragem, força e superação, e nele acreditemos, ao tempo em que não descuidemos de forma alguma de prestar o devido acolhimento e o atendimento profissional competente aos que, de fato, assim o necessitam. A seguir, concentremo-nos naquilo para o que nos alerta Jaffe.
“ ‘Três meses com a pandemia de coronavírus”, escreve William Van, do Washington Post, ‘os Estados Unidos estão à beira de outra crise de saúde, com doses diárias de morte, isolamento e medo, gerando traumas psicológicos generalizados’. O vírus e o ‘lockdown’ resultante sem dúvida irritaram a maioria das pessoas, mas o estresse, a ansiedade e até a sensação de depressão episódica não constituem doença mental. São reações normais a uma crise dessa enormidade.
“Mas a psicologia-pop catastrofiza a normalidade, a posiciona como uma ‘crise’, a rotula como ‘trauma psicológico’ e empresta-lhe a gravidade que não merece. Essa resposta desvia nossa atenção – e dinheiro da saúde mental – da crise real: o abandono de pessoas com doenças mentais graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar, que são forçadas a dormir nas ruas, prisões e nas poucas instituições psiquiátricas remanescentes. Deixar essas pessoas sem tratamento só piora a disseminação do Covid-19.
“No entanto, alguns defensores da saúde mental adotaram o lema cínico do ex-prefeito de Chicago, Rahm Emanuel, de que ‘nunca devemos deixar que uma crise seja desperdiçada’. Eles estão declarando ‘sofrimento psicológico’ e ‘danos emocionais’ inspirados no coronavírus, os principais problemas de saúde mental que nosso país enfrenta. Veja o luto, por exemplo. Todos os anos, 1,7 milhão de famílias perdem um ente querido. Mas o establisment de saúde mental argumenta que os recursos essenciais devem ser ordenados porque 70 mil famílias estão – como é natural – sofrendo por entes queridos que morreram de Covid-19. A dor e o sofrimento das pessoas afetadas pela pandemia são reais – podem até levar à depressão. Mas as formas tradicionais de simpatia – telefonemas, videoconferência, mídias sociais, cartões e flores de vizinhos e amigos – trarão algum alívio para essa dor. O tempo também ajudará.
“Enquanto isso, a indústria da saúde mental afirma que os milhões que perderam seu emprego também sofrem psicologicamente e precisam de aconselhamento. No entanto, para a maioria dos recém-desempregados, a ‘cura’ chegará quando eles puderem voltar ao trabalho e reabastecer suas contas bancárias. Se o desemprego fosse um problema genuíno de saúde mental, dar dinheiro às pessoas não o resolveria.
“Todo suicídio dentro de uma população supostamente de risco, como profissionais de saúde, agora é usado para forçar uma narrativa – fundamentada em estatísticas duvidosas – de que o suicídio se tornou desenfreado nessa coorte, devido ao coronavírus. Lorna Breen, chefe diligente e compassiva dos serviços de emergência do Hospital Allen de Nova York, tornou-se a face pública desse argumento entre os profissionais de saúde depois que ela tirou a própria vida. Essa tragédia seria evitável? O sistema hospitalar em que Breen trabalhava já possuía procedimentos vigentes de ‘gerenciamento de estresse e suporte profissional’. Mas é difícil identificar pessoas em risco e quase impossível impedi-las de cometer suicídio. Se alguém reconhecesse que Breen era um perigo para si mesma, no entanto, ela poderia ter sido ajudada? Provavelmente não. O Allen Hospital está usando a pandemia como uma desculpa para fechar sua unidade de internação psiquiátrica – algo que ele queria fazer muito antes de alguém ouvir falar em coronavírus.
“Restaurar a economia americana exigirá bilhões em fundos federais. Agora é a hora de focar os gastos em saúde mental onde é essencial. A pandemia da psicologia-pop está impedindo esforços para melhorar os cuidados ou até manter serviços para os doentes mentais graves que mais precisam de ajuda.”
Notas e Referências
[1] “Think tank”: banco ou laboratório de idéias, grupo estratégico, centro de pensamento ou centro de reflexão, instituição ou equipe de especialistas de investigação e reflexão intelectual sobre assuntos de política social, estratégia, economia, militares, de tecnologia ou de cultura, etc. No texto apresentado pela Wikipedia Brasil (https://pt.wikipedia.org/wiki/Think_tank ), segundo o “2017 Global Go To Index Report”, há 1872 delas nos Estados Unidos; 512 na China; 146 na Argentina; 93 no Brasil , etc. Ver também: https://fundacaofhc.org.br/noticias/global-go-to-think-tanks.
1 Comment
O texto exige reflexão, todo excesso provoca distorções . Transformar toda ansiedade, desconforto, mesmo certo grau de angústia em casos que exigem intervenção de profissionais especializados, pode sim virar modismo e isso não será bom para as pessoas a serem atendidas e muito menos para os profissionais que farão o atendimento. A maioria das pessoas tem recursos internos para lidar com essas situações, com um certo grau de sofrimento, é evidente, mas sem necessidade de atendimento especializado.
Quero também fazer uma reflexão sobre os profissionais da saúde os quais, não raro, têm “colocado em suas mãos o poder da vida e da morte” e enfrentam diariamente situações extremas ao lidarem com essa responsabilidade ! É “necessário cuidar do cuidador”, mas esse cuidado deve ser feito rotineiramente, de forma preventiva e não apenas em situações de pandemias e deve ser preocupação de todos: políticos, administradores/gestores/empresários da área da saúde e de todo cidadão preocupado com a qualidade e a valorização da vida!!!
É preciso humanizar “a saúde”, afinal ela não é “um
estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”?