Um pouco sobre o filme A tabacaria
3 de setembro de 2019Geração de Futuro valorizando a vida
2 de outubro de 2019Por esses dias recebi de um amigo psicanalista um desses textos que ficam a circular pela Internet, bastante espirituoso até, mas carregado de algum estímulo à reflexão: será apenas uma alteração terminológica a respeito do mesmo ou, por outro lado, caracteriza de fato uma mudança no paradigma de como se vê a vida e os valores humanos? Leiam:
Provocado pela “brincadeira”, pus-me a pensar no que vai por baixo e por trás disso. A maneira pela qual biologicamente nascemos é-nos hoje bastante conhecida e não comporta mais muitas perguntas. Digo do ponto de vista técnico-operacional; todavia a transcendência da questão permanece não plenamente compreendida. Mas o mero nascer biológico não assegura a vinda de um ser humano pleno: o eu e seu sujeito precisam ser construídos a partir do corpo biológico que a natureza, por suas vias, nos dá.
INTRODUÇÃO
Mas afinal, quem sou eu? Sujeito racional do cogito versus o sujeito do inconsciente e da loucura? Ou sou bem já a tragédia do eu?
O sujeito conta já com uma tradição de alguns séculos na Filosofia. Na Psicanálise, o mergulho na substância e na história do sujeito é mais recente, mas nem por isso menos impactante. Entendo, e sublinho desde já, que a Psicanálise (como muitos outros temas e fatos) é um produto da modernidade, é uma das últimas grandes revoluções da modernidade, e, portanto, nasceu de, para, e debruçada sobre o sujeito que a modernidade constituiu.
Está claro que, para ela (com sua epistemologia) existir, é condição sine qua non que haja um sujeito, o tal sujeito da psicanálise, poderíamos dizer, porque sem ele não há o que ser analisado; sem ele e sua queixa e sua inquietação não existe trabalho a ser feito.
Há uma plêiade de designações (a calhar, de significantes), que tentam mostrar ao mundo – e a nós próprios –, para que exista e nos espelhemos, um indicativo daquilo que somos ou acreditamos ser, como: eu, pessoa, indivíduo, ser, “si”… e sujeito. Um eu que tenha marcas de identificação, que, portanto, suscite uma identidade. Da mesma maneira, ocorre hoje uma multiplicidade de abordagens e tratativas científicas (das ciências naturais, das ciências humanas), da filosofia – e não nos esqueçamos da atenção sempre presente das religiões –, que procuram descrever aquilo que nós somos, nós que nos tornamos (ou não?) esse híbrido de um eu com um sujeito (sujeiteu ?…).
Há um eu oficial, espécie de prótese, uma identidade ficcional, que levamos e ostentamos em nossas funções práticas do dia-a-dia, na linearidade de nossa história, um eu também que, até quanto se pode, projetamos em nosso futuro, e há o eu disperso, uma multiplicidade de eus, cada um conformado a uma situação ou um momento psíquico nosso, a um traço que trazemos, e que, se bem elaborados, podem evoluir até uma dimensão artística maior como, por exemplo, os heterônimos de Fernando Pessoa.
Existem, também, formas de relações entre o eu e a identidade e o eu e o sujeito. A identidade refere-se a fatos, marcas, dados históricos que atestam a existência daquele eu e, de alguma maneira, sua continuidade no fluxo do tempo. A identidade identifica o eu, ou parte dele, e é estática, no sentido de ser um conjunto de dados. Já o sujeito, está mais ligado ao dinamismo de nossa existência: ele é um tipo de gerente operacional das vontades, decisões e ações do eu. O eu é verdadeiramente ontológico, o sujeito é histórico e circunstancial. Ademais, junta-se ao conjunto uma outra instância, que é o ego, termo caro e usual na psicanálise. Porém, talvez o ego não tenha a abrangência transcendental que o eu apresenta potencialmente, ficando mais adstrito às questões de interesse pessoal imediatista. Por esse caminho haveria, quiçá, uma polarização entre o eu, com sua tendência mais impessoal e coletivista, e o ego, com sua tendência individualista relacionada à satisfação de sua sobrevivência e prazeres.
Tento entender esse sujeito porque, de certa maneira paradoxal ou contraditória, o próprio elaborador da psicanálise, Sigmund Freud, nunca desenvolveu, ao que eu saiba, uma doutrina ou filosofia a respeito do sujeito. Parece que, para conceber e avolumar a teoria e a experiência psicanalíticas, ele não sentiu necessidade de uma caracterização específica e explícita do sujeito sobre o qual incidiam as patologias e perturbações que seriam objeto de seu estudo minucioso, de sua preocupação honesta e de sua imensa contribuição ao nosso conhecimento.
Para reforçar, trago aqui um parágrafo de Antônio Cabas, que diz:
O sujeito…
Essa noção atravessa em toda a sua extensão a doutrina analítica. Por um momento, aparece com uma referência implícita. Em outros, como um núcleo central da teoria. Mas em todos os casos representa um fundamento clínico. Isto é, representa a base material das operações que integram o trabalho da cura. A saber: a interpretação, a transferência, a resolução e, por fim, o desfecho do tratamento analítico.1
O mesmo Cabas refere, no entanto, o passeio de Freud pela filosofia de seu tempo, bastante influenciada já pela tradição científica, para encontrar idéias a respeito do sujeito, como as presentes em Herbart2, Wundt3 e, principalmente, as de Brentano. Freud as trabalha a ponto de dar origem a um novo saber relativo ao ato humano. Na obra de Freud, diz Cabas, “a noção de sujeito é uma referência permanente e sempre presente (…) porém implícita”.4
Teria sido Lacan quem, a partir de sua leitura de Freud, expõe ao sol o problema do sujeito. Com Lacan, o sujeito assume a posição de referente lógico da questão freudiana e pode-se pensar que a obra inteira de Lacan é um debate em torno da noção do sujeito.5
Evidenciar o sujeito no papel/processo psicanalítico fica óbvio, já que ele precisa estar – ou ser – implicado desde o início do tratamento; sua participação precisa ser ativa nos desdobramentos da conduta e no desfecho de todo o trabalho. Como se diz, o trabalho aqui é menos do psicanalista do que do/da analisante.
O eu tem uma história, não foi sempre ele mesmo, do mesmo modo. E se ele se comunica com o sujeito, então o vice-versa acontece para este.
SUJEITO
Sujeito vem da palavra latina Subjectus (Subiectus), que é o particípio passado de Subicere, (colocar sob, abaixo de), o que está situado abaixo, formado por Sub-, (sob, de baixo), mais a forma combinante de Jacere, (lançar, atirar).
Com o significado de “pessoa ou assunto sobre a qual se atua” é do século XVI. Assim, o verbo sujeitar vem do latim subiectare, formado do prefixo Sub e do verbo iactare, frequentativo do verbo iacere, que nos deu as palavras jogar, desejar, ejacular, jaculatória, objeto, objetivo, projeto, etc.
Logo, o sujeito é o fundamento, aquilo que está por baixo do que se me apresenta. O que está na sombra do que se me revela como fenômeno.
No Dicionário de Filosofia, de Abbagnano6, lê-se:
Esse termo teve dois significados fundamentais: 1º. aquilo de que se fala ou a que se atribuem qualidades ou determinações ou a que são inerentes qualidades ou determinações; 2º. o eu, o espírito ou a consciência, como princípio determinante do mundo do conhecimento ou da ação, ou ao menos como capacidade de iniciativa em tal mundo.
Nessa linha, vale a pena uma visita ao velho idioma grego. Lá encontraremos a palavra hipoquimeno ou hypokeimenon (ὑποκείμενον), usada como substrato material, termo da metafísica que significa, literalmente, ‘o subjacente’ (subjectum). Hypokeimenon diz respeito à Teoria Substancial, que persiste em algo através de quaisquer alterações – é a essência básica. Concordando com a definição de Aristóteles (em Categorias), hypokeimenon é algo que pode ser predicado por outras coisas, mas não por outras pessoas. A existência do substrato material foi proposta por John Locke como conceitualmente semelhante à substância de Baruch Espinoza e ao conceito de Noúmeno, de Immanuel Kant (em Crítica da razão pura). Locke raciocinou que, quando todas as propriedades sensíveis fossem abstraídas de um objeto, ainda haveria algo a que as propriedades se ligariam – algo a permitir que o objeto existisse independentemente das propriedades sensíveis que manifestou no espectador. Para Locke, este ingrediente ontológico era necessário a fim de que se considerassem os objetos com existência independente de nossa mente. O substrato material mostrou-se uma idéia difícil para Locke, pois, por sua própria natureza, sua existência não poderia ser comprovada diretamente da maneira endossada pelos empiristas (isto é, prova por exposição em experiência). A existência do substrato foi negada por George Berkeley, que, no Três Diálogos entre Hilas e Filonus, mantém que um objeto consiste em nada mais que as propriedades sensíveis que manifesta, e essas só existem no ato da se as perceber.7
Falar em substrato remete à substância e disso temos que ir a Ousía (οὐσία, pronuncia-se “ussía”), substantivo também do grego, de uso em Filosofia e Teologia, que se forma a partir do feminino do particípio presente do verbo “ser” (εἶναι, einai). Ousía pode ser entendida em português como substância ou essência, decorrente da sua tradução vulgar para o latim como substantia ou essentia8. Platão e Aristóteles usaram frequentemente a palavra, de onde vem o atual significado que lhe é atribuído nos contextos filosófico e teológico. Martin Heidegger observou que o sentido original da palavra se perdeu na tradução latina e, portanto, daí para as línguas modernas. Para ele, significava “Ser” e não “substância”; isto é, não se pode aplicar a um conceito cuja etimologia remete para algo que permanece (-estância) “sob” outra (sub-). Empregou, ainda o termo binomial parousia-apousia para significar ‘presença’-‘ausência’ e o termo hypostasis para significar existência. Orígenes9 disse que Deus é um gênero de ousia com três espécies distintas de Hipóstases: o Pai, o Filho, e o Espírito Santo.
O ser humano, como pessoa, indivíduo, homem e mulher, tem sido, por óbvio, e tem sido desde o seu aparecimento no planeta. Nesse entender, a pessoa sempre existiu, e talvez pudéssemos dizer que o “eu” sempre existiu. O mesmo, contudo, não se aplica à idéia de sujeito.
O sujeito é uma invenção humana da modernidade, em que pese a dificuldade de se conceituar com precisão, exatidão e simplicidade o que ela, modernidade, é, e delineá-la, vez que é polissêmica, pode ser vista sob diferentes olhares, como o da filosofia, da literatura, destacando-se a poesia, e não se aloca num campo restrito, a ponto de mesmo transcorrido tanto tempo desde sua instalação, ainda hoje discutirmos o que ela é e se estamos saindo, ou já saímos, dela ou não. Mas, seja como for, é inegável que a filosofia da modernidade é a filosofia da consciência, do sujeito, e teve como tema principal a Epistemologia ou Teoria do Conhecimento.
Numa dada aurora se percebeu que ser um indivíduo era ter uma posição e uma atitude diante do mundo, era ser capaz de criar crenças distintas daquelas que não admitia; ser capaz de instituir normas para si e para o grupo, gerar valores, criticá-los e alterá-los, ou seja, atingir o status de sujeito cidadão. Todavia, no exato presente momento em que vivemos não há mais garantias robustas de que isso venha a continuar.
Nesses tempos mais recentes tem-se detectado uma forma de crise na identidade, batizada por alguns como a “crise da identidade moderna”, condizente àquele nosso “mundo interior”, uma subjetividade nuclear, vista como essência interna, estável, a ser mantida, defendida e cultivada na intimidade (algo muito próximo de alma, numa outra forma de compreensão). O que era da ordem do interior vai cedendo terreno a uma ordem exterior, da superfície, em relação, inclusive, ao próprio corpo, com o surgimento de um culto desmedido à aparência e seus emblemas estéticos. Eu diria, permitindo-me uma brincadeira, que o subjetivo interior se objetivou fora, no exterior… Deixando-se de lado o apelo irresistível do jogo, é como se o sujeito delegasse, terceirizasse, ao exterior, ao olhar (e discurso) do outro o relato de sua subjetividade, restando cego para si, paradoxo, sem dúvida, mas real. (É de se pensar no modo jocoso de a juventude atual dizer o “me inclua fora”…)
A liquefação (pensando com Zygmunt Bauman) dessa forma de enxergar a identidade implicou em novas questões conflituosas, a despeito de, por outro lado, suscitar novas e diferentes possibilidades de subjetivação (pensando com Joel Birman) para os indivíduos contemporâneos. Assim, as ciências sociais têm remodelado o sujeito contemporâneo (mas, questione-se sempre, quando começa o contemporâneo, e mais: o anterior, como antes eu disse, já se encerrou?) relativamente ao sujeito moderno. Este, como um modelo de alguém interiorizado, o sujeito voltado para si, com valores universais e intangíveis, que pelo trabalho10 e disciplina poderia saldar suas dívidas com o Criador, algo muito perto de uma filosofia protestante; aquele, já advindo de uma filosofia neoliberal que prospera11, juntamente com a globalização capitalista, desloca-se do pensar na sociedade como um todo e pensa mais no individual e nas determinações impositivas do mercado do que na sociedade, transformando-se, como no dizer de Foucault, num empresário de si próprio – e aqui a identidade começa a se aproximar inelutavelmente da produtividade, a privacidade do público, o qualitativo do quantitativo.
Esse novo sujeito, supostamente prático, resoluto e “agente de seu destino”, demanda e acarreta uma nova prática psicanalítica, posto que ele sempre precisa de resultados rápidos, em tudo, em função de uma percepção e um trabalho outros com o tempo (e com o dinheiro…), e não se dispõe a ficar, talvez como o sujeito da modernidade, durante longo prazo12 no divã do setting para tentar entender questões fundamentais que o afetam, como as existenciais, as de filiação, do desejo, a morte, a castração, a perda, mas sim trazer e buscar resolver problemas imediatos, do dia a dia da vida, sobretudo os que podem interferir no desempenho profissional e financeiro desse(a) cidadão(ã) empresário(a)-eu-mesmo(a)… Sujeito-cidadão, diga-se, altamente conveniente para a tal nova ordem econômica mundial, que deságua numa sociedade fortemente narcísica, de consumo, da imagem e (com Guy Debord e Douglas Kellner) do espetáculo.
É incontestável, portanto, o surgimento de uma nova demanda, ao lado do novo sujeito, que absorve muito bem, até, práticas inimagináveis para Freud e sucessores, como o uso de teleconsultas com um toque de coaching… Tudo agora se aglutina em torno de uma redefinição do que é o sofrimento, do que é o sintoma, aquilo que se pode aceitar, e de uma tecnologia aparatosa de terapêutica, capitaneada pela poderosa indústria farmacêutica dos psicotrópicos, com o propósito de “produzir”, ajeitar e manter o sujeito produtivo, funcional.
No entender do filósofo canadense Charles Taylor, a modernidade tem implicado num resultado bastante perigoso para a vida humana ao equivaler, ou pior, substituir o ser pelo fazer, a corrupção do ser compensada pela correção do fazer (conforme se pode depreender da leitura de Fuentes del yo13, em particular na parte 1, capítulos 1 e 2, e parte 2, em que é feito um percurso pela história da identidade moderna – no Ocidente): assim, eu não sou, de fato, isso ou aquilo ou daquela forma, por exemplo, não sou DE FATO bom, mas faço “caridades”, etc., isto é, sou um moralista… Ora, como resultado, a pessoa que dessa maneira atua acaba por criar uma identidade (social – e identidade como trajetória, aliás, a idéia de identidade como uma trajetória dinâmica já nos é trazida por Freud) falsa, hipócrita, ou, em desacordo com aquilo que verdadeiramente é. Uma falsa identidade, um falso eu. Para Taylor, a concepção moderna do eu, que é superficial, é justamente o grande obstáculo para uma compreensão mais profunda que poderíamos/deveríamos ter de nós mesmos. Isso deriva por completo das características de vivência e de experiência social a que chegamos hoje, pelas mãos do processo da modernidade, que nos coloca em atitudes superficiais, parciais e tendenciosas, com reflexões rasas e cada vez mais apartadas do aprofundamento em busca da verdade. Ademais, pela secularização trazida com a modernidade e, de certa forma, o protestantismo, o sujeito moderno se torna, ele mesmo, um produtor (único) de realidade (desbancando a natureza), por exemplo uma (nova) realidade urbana, ou de decoração interior, como projeção de sua subjetividade, seu “mundo” interior. Isso, ainda de acordo com Taylor, acarreta a prática do individualismo e do relativismo, com um afastamento gradual e insistente da apreensão do bem objetivo como algo maior e permanente, como exigência ontológica, e, ainda, descaso pela moral.
Perseguir o conhecimento de si – do eu ou do sujeito, conforme o contexto e o enquadramento em que se esteja, a fim de se alcançar o mais profundo de nossa alma – é uma preocupação (pré – ocupação, vontade, desejo) que tem um longo percurso na estrada do tempo de nossa existência civilizacional. Conforme ensina o professor Franklin Leopoldo e Silva14, o ponto que pode ser tomado como de largada, há cerca de 2.500 anos, dá-se com Sócrates (seguido por Platão) e o imperativo ético: conhece-te a ti mesmo, frase que se lia à entrada do oráculo de Delfos. Depois, com Santo Agostinho, a interioridade ganha dimensão de caminho para si e para o outro. Com Descartes sobrevém a descoberta da subjetividade e são lançadas as bases para a invenção do homem (sujeito) moderno. A seguir, com Kant, pode-se pensar a identidade oculta. E após isso, Henry Bergson provocar-me-á ao fascínio da intuição de mim mesmo. Por fim, já bem recentemente, Sartre nos introduz à existência como desejo de si.
Acima de tudo, a discussão a respeito daquilo que é o eu, daquilo que o constitui, torna-se mais do que capital agora, na medida em que existe operando na sociedade uma real e verdadeira Tecnologia de Construção do Eu, ou melhor, de eus, tecnologia operacional produtiva encomendada pelo mercado, que implica na fabricação seriada de eus impensantes, apropriadamente ajustados ao comportamento de massas (e volto a lembrar aqui de Freud e seu Psicologia das massas e análise do eu) e aos ditames do consumo.
UM PERCURSO COM FILÓSOFOS SÓCRATES
Sócrates, segundo Cícero, no livro V das Tusculanae Disputationes (Discussões Tusculanas, 45 a.C.), foi o primeiro a evocar a passagem da filosofia do céu à terra, deu-lhe a cidadania nas cidades, introduziu-a também nas casas e obrigou-a a ocupar-se da vida e dos costumes, das coisas boas e das más, o bem e o mal, o justo e o injusto. Ou seja, da exterioridade (Kosmos) para a interioridade do humano, em direção à psique (Psychē), à alma. Entendida a psique como alma, vale dizer, a dimensão da interioridade, do conhecimento de si. Então Sócrates terá sido o psicoterapeuta inaugural da história, aliás, algo a que ele próprio alude no discurso de sua defesa, durante o julgamento, quando diz que isso é o que ele sabe fazer.
Na Apologia, diálogo de Platão, Sócrates fala a seus concidadãos:
Ora, é possível que alguém pergunte: – Sócrates, não poderias tu viver longe da pária, calado e em paz? Eis justamente o que é mais difícil fazer aceitar a alguns dentre vós: se digo que seria desobedecer ao deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar tranqüilo, não me acreditaríeis, supondo que tal afirmação é, de minha parte, uma fingida candura. Se, ao contrário, digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros, e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida, ainda menos me acreditaríeis, ouvindo-me dizer tais coisas. Entretanto, é assim, como digo, ó cidadãos, mas não é fácil torná-lo persuasivo.15
Uma vida sem exame não vale a pena ser vivida… Concordo. E a tarefa de todos nós pensantes é começarmos por examinar aquilo que nós próprios somos, ou entendemos ser. Esse exame, fatalmente (não vai nisso nenhum trocadilho), deve nos conduzir a procurar saber, ao menos um pouco, o que somos nós: seja o eu seja o sujeito.
É célebre e notória a frase de Sócrates: só sei que nada sei. Na Apologia16 é narrado esse aspecto da reflexão que Sócrates faz a respeito do saber, e ele, de fato, seria então o mais sábio de todos ao saber que nada sabe, enquanto os outros se gabam de saber alguma coisa – porém a partir de um não saber de si! Sócrates, portanto, possui a consciência de que não sabe, em outros termos, sabe que não sabe e essa talvez seja uma característica comum a todos nós, pelo menos a humildade nos deveria levar a isso: saber que nada sabemos, sobretudo muito pouco ou nada mesmo sabemos de nós próprios. Aquele que pensa saber demonstra, antes de mais nada, que não sabe de si. Logo, em matéria de saber, em primeiro lugar o mais importante de tudo quanto há seria cada qual saber, minimamente, um pouco de si, ou seja, quem é ele, quem é o seu eu e o seu sujeito. Por aí ouso antecipar que o sujeito de Sócrates seria, na realidade, o sujeito que nada sabe, o sujeito que não sabe de si, mas sabe que deve procurar este saber, deve procurar saber-se.
Refletindo a respeito, o Professor Leopoldo e Silva diz:
A matriz de todos os erros, de todos os equívocos e de todas as presunções é a ignorância de si. E se a maioria dos homens toma suas opiniões infundadas como saber, então Sócrates é, de fato, o mais sábio, o único sábio, na medida em que o seu não saber não o inclina a crer que sabe. 17
Ora como se déssemos uma volta larga, se fechássemos um grande círculo, tornamos, portanto, à inscrição no pórtico do Templo de Apolo, em Delfos, já mencionada, que se constitui também numa máxima da filosofia, que é o “Conhece-te a ti mesmo”. Inspiração para a filosofia não por se tornar o conhecimento mais útil e sim porque será o mais elevado dos conhecimentos e a mais digna tarefa do homem18.
Sócrates preocupa-se com a verdade e pretende fazê-la aparecer a partir do mais interior de cada um. No diálogo Teeteto19, de Platão, Sócrates discorre a respeito da profissão da mãe, que era parteira (no grego = Maiêutica), e compara essa atividade à sua própria função, a da interrogação filosófica que pretende fazer parir a verdade. A busca por essa verdade interior deve sempre superar as opiniões e o filósofo apenas auxilia o interlocutor para que ele próprio dê à luz aquilo que traz dentro de si. O filósofo nada deve ensinar; não deve introduzir no espírito do interlocutor qualquer coisa que ainda não se encontra lá; não deve ocupar o lugar do outro e deve suportar toda a dificuldade e a dor implicada no processo, inclusive a dor de afastar as opiniões, os obstáculos que procuram ocultar a descoberta da verdade. A comparação com a prática psicanalítica é inevitável.
SANTO AGOSTINHO
Aurélio Agostinho, homem de paixão pela vida, filósofo cristão da patrística (filosofia dos padres da Igreja), platônico e neoplatônico, nasceu a 13 de novembro de 354 (quando o Império Romano, pelo édito de Constantino, já adotara, em 313, o cristianismo como religião), em Tagaste, norte da África, a leste da atual Argélia; e faleceu a 28 de agosto de 430, na cidade de Hipona, hoje Annaba, na Argélia.
Agostinho, que viverá um longo e trabalhoso processo de conversão à fé Cristã, e se transformará, depois, no Bispo de Hipona e no Santo Agostinho doutor da Igreja Católica, antecipa, de certa maneira, em vários séculos, os achados posteriores de René Descartes, na medida em que, ao dissecar os argumentos céticos, constata que enquanto pensa, se pensa, é porque existe, tem uma existência incontestável, e existe porque tem uma história, a qual é corajosamente repassada nas Confissões. E vai além: Eu sou, “o que significa imediatamente Eu quero, pois a vontade é inerente à existência que constato em mim.”20
A história pensada, repensada e apropriada, lhe afiança a existência pessoal e lhe dá posse e certeza (subjetiva) de um eu não filosófico, porém real, existencial, de carne e osso, do cotidiano. Todavia, se por esse caminho, semelhante ao cartesiano, Agostinho ganha a certeza de sua existência, ele também constata não ser fundamento de si, que não é causa de si, mas que, por baixo dele ou antes dele, existe algo que o suporta, que suporta sua existência, na qual, por certo, ele não foi posto por si mesmo. Portanto, em Agostinho, ele como que deduz a existência de Deus a partir de sua própria interioridade (e isso é oposto a Descartes, que virá depois), de modo orgânico, e assim, aquela certeza que seu eu tem de si mesmo já embute a afirmação de algo que também está lá, desde antes, e que transcende aquele eu. Resumindo, em Agostinho a relação entre o eu e Deus é interna, orgânica como dito, e necessária ao eu, enquanto no futuro, em Descartes, ela será externa e mecânica, lógico-dedutiva, necessária para lançar as bases de sustentação da objetividade, que analisará o mundo livre de critérios subjetivos. Noutras palavras, o eu cognoscente em Agostinho é o mesmo eu real, existencial, do transcurso ordinário dos dias, enquanto o eu cartesiano do Cogito será um eu filosófico, de colorido atomístico, constituído apenas naquele exato momento da formulação ontológica do ser no “Penso logo sou – ou existo”, despegado da linearidade continuísta do tempo.
Agostinho, que por um lado encerra o período greco-romano e está no abrir de uma filosofia de passagem do medieval para, eu arrisco dizer, já o moderno (na medida em que trará para a cena esse eu existencial sujeito de seus atos), e que também transita assim no limiar entre o fim do Império Romano (Ocidente) e o início do regime feudal na Europa, é, destarte, o primeiro pensador a trazer para a tradição, para o cânone filosófico, a questão desse eu existencial, de sua aflição por entender sua origem e seus sustentáculos, a partir da própria biografia, narrada, confessada e… vivida. E vale salientar que para levar adiante suas confissões, Agostinho precisa lidar com dois parâmetros viscerais: a sinceridade e a aceitação do eu na dita continuidade do tempo, o que implica na responsabilidade para com seus atos, daí eu haver referido a extrema coragem requerida pela empreitada.
Em Milão, na altura de seus 32 anos, Agostinho se retira para uma vila chamada Cassissiacum, juntamente com sua mãe Mônica, seu filho Adeodato, Alípio e alguns discípulos, em busca de paz e oportunidade de meditação. Todavia, segue vivendo momentos de grande inquietação. Conta-se que nessa ocasião, ao passear no jardim a procura de acalmar sua agitação, ouve uma voz de criança que lhe sugere tomar um livro e lê-lo. Agostinho pega a Bíblia, que deixara sobre uma mesa, e a abre ao acaso justamente na epístola dos Romanos, em que São Paulo diz (conforme Romanos 13:13,14):
13 Comportemo-nos com decência, como quem age à luz do dia, não em orgias e bebedeiras, não em imoralidade sexual e depravação, não em desavença e inveja.
14 Pelo contrário, revistam-se do Senhor Jesus Cristo, e não fiquem premeditando como satisfazer os desejos da carne.
O resultado sobre Agostinho foi rápido. Ele conta que não precisou ler mais e que, ao atingir o final da frase, uma “luz serena” penetrou seu coração “e todas as trevas da dúvida fugiram.” Por conta da força e da beleza do texto, vale muito transcrever o trecho:
Assim falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do coração. Eis que, de súbito, ouço uma voz vinda da casa próxima. Não sei se era de menino, se de menina. Cantava e repetia frequentes vezes: “Toma e lê, toma e lê”.
Imediatamente, mudando de semblante, comecei com a máxima atenção a considerar se as crianças tinham ou não o costume de cantarolar essa canção em alguns dos jogos. Vendo que em parte nenhuma a tinha ouvido, reprimi o ímpeto das lágrimas e levantei-me persuadindo-me de que Deus só me mandava uma coisa: abrir o códice e ler o primeiro capitulo que encontrasse. Tinha ouvido que Antão, assistindo, por acaso, a uma leitura do Evangelho, fora por ela advertido, como se essa passagem que se lia lhe fosse dirigida pessoalmente: “Vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me”.Com este oráculo se converteu a Vós.
Abalado, voltei aonde Alípio estava sentado, pois eu tinha aí colocado o livro das Epístolas dos Apóstolos, quando de lá me levantei. Agarrei-o, abri-o, e li em silêncio o primeiro capítulo em que pus os olhos: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites”.
Não quis ler mais, nem era necessário. Apenas acabei de ler essas frases, penetrou- me no coração uma espécie de luz serena e todas as trevas da dúvida fugiram. Então, marcando a passagem com o dedo ou com outro sinal qualquer, fechei o livro.21
Essa conversão de Agostinho ao cristianismo ocorreu por um caminho pavimentado pelo platonismo, seja pelo momento histórico em que vivia, seja também pela busca da Verdade que ele encetava e que o levou até Platão e aos sinais da sacralidade da alma e transcendência de Deus. Nesse processo destacaram-se as figuras de Plotino e de Ambrósio, neoplatônicos que o influenciaram. O cristianismo, que surge intercalando- se entre a religião dos judeus e a dos pagãos, encontra agora com Agostinho uma questão central para sua filosofia, que é a relação entre razão e fé.
Agostinho procurará, então, costurar uma síntese entre a racionalidade do pensamento platônico, de um lado, e, de outro, a revelação Cristã, que é um objeto de fé, passando a pensar sistematicamente o cristianismo. Esse cortejo da razão com a fé pode ser descrito, segundo Franklin Leopoldo e Silva, do seguinte modo:
Se creio, aproprio-me de verdades às quais não seria capaz de chegar por mim mesmo; tenho, portanto, mais do que teria se me guiasse apenas pela razão, num gênero de conhecimento que, por definição, está acima da minha capacidade. Tal privilégio, obra e graça de Deus, me distingue e me eleva. Qual motivo teria para trocar essa condição pela racionalidade limitada da qual faço contínua experiência?22
E prossegue:
Por outro lado, um racionalista poderia dizer: se o que distingue o homem é sua capacidade de pensar por si mesmo e de elevar a inteligência, gradualmente, à compreensão de tudo que se apresente, não seria renúncia voluntária o que o homem tem de essencial excluir da esfera da razão a origem e o destino do ser humano, e, assim, o próprio sentido da existência? E, ainda, se existe um Deus que nos criou como racionais, não seria faltar ao nosso dever de criatura limitar a priori nossa capacidade de compreender, a pretexto de um alcance superior da inclinação a crer, ato que, justamente, nos expõe ao que haveria de extrínseco à nossa autonomia?23
Agostinho perceberá a conexão entre crer e compreender e encontrará a fórmula do compreendo aquilo no que creio e creio porque compreendo. Para as duas formulações Agostinho dirá:
Os dois dizem a verdade: demo-nos, portanto, as mãos; compreende para crer e crê para compreender; eis, em poucas palavras, como podemos aceitar uma e outra das duas máximas: compreende, pois, minha palavra para chegar a crer, e crê na palavra de Deus para chegar a compreendê-la.24
Trata-se, dessa maneira, de se aplicar a inteligência à fé e, por meio desse estratagema, pretender alguma capacidade para perguntar “Quem é Deus?” para, por fim, formular outra indagação, tão inquietante como a primeira: “Quem sou eu?” Talvez, revisitando o corajoso percurso de Agostinho, ao praticarmos o exercício da fé para compreender o que é/quem é Deus, possamos atingir em segunda etapa a base racional para a compreensão daquilo que é cada um de nós. Agostinho quer conhecer a Deus, e solicita isso Dele, quer conhecê-Lo assim como Ele tão bem conhece ao próprio Agostinho: é quando Deus, que está em mim desde sempre, me permite conhecê-Lo que, finalmente, eu conhecerei a mim25. Ademais, conhecer a Deus é não só conhecer o Bem, mas é conhecer o Sumo Bem e, portanto, a felicidade, propósito último que todos desejam, embora procuremos por tão diferentes estradas:
A vida feliz é, pois, o bem comum que todos ambicionam, mas acerca dos meios de obtê-lo, e dos caminhos que levam a ele, os homens não estão de acordo.26
DESCARTES
Descartes (1596-1650, século XVII) faz surgir, em 1637, o Sujeito do Cogito, isto é, o Sujeito do Conhecimento. Ao se perguntar “quem sou?” e responder “uma coisa que pensa” (res cogitans), ele coloca este sujeito da relação cognitiva na centralidade da explicação da história humana, como ponto de partida epistemológico único: Cogito ergo sum (início da modernidade capitalista e, também, com isso nasce o Humanismo, que parte da subjetividade deste homem do Cogito; humanismo que é uma concepção que faz do homem o ponto de largada epistemológico fundamental – o racionalismo cartesiano receberá, em alguns aspectos, a oposição do empirismo de Locke e Hume). Deus é deslocado do centro: o teocentrismo dará lugar a um antropocentrismo, e sobrevém mais agudo o dualismo entre mente e matéria.
Mais tarde, Peirce, com sua semiótica, produzirá uma certa transformação do marco cartesiano, colocando o homem também como um signo, um nó de uma grande rede ou cadeia semiótica maior do que ele próprio.
Antes da modernidade o ser humano não era o sujeito tal como depois viemos a concebê-lo. A certeza do cogito funda a noção de sujeito moderno. A subjetividade torna-se o fundamento do sujeito do conhecimento. No Discurso do método, ao duvidar de todo conhecimento anterior, Descartes persegue a verdade no próprio mundo. Partia da busca de um axioma que servisse de fundamento a todo conhecimento: uma verdade primeira e indubitável. Pela via da dúvida, Descartes chega a uma verdade certa e segura, o cogito ergo sum. Se duvido, penso; se penso, sou ou existo. Ora, o eu cartesiano é puro pensamento, puro intelecto, locus da verdade. É esse puro intelecto que se torna o núcleo do sujeito moderno.
Aquele sujeito do conhecimento se vê autônomo, se autoconcebe como fundamento de todo o real, crê ter substituído a Deus como razão de ser de tudo, acredita ter a capacidade de transformar a realidade, crê ser o dono no mundo27. O sujeito cartesiano se definirá pela subjetividade e pode ser dito como um sujeito da burguesia capitalista européia de então.
Descartes, por meio de uma profunda reflexão, conclui um diagnóstico pouco interessante para a base do conhecimento de até então. Trata-se do diagnóstico de fraqueza dos alicerces do saber sobre os quais se equilibravam as opiniões igualmente frágeis que vigoravam e eram acirradamente disputadas. Tal não haveria passado, segundo ele, “se tivéssemos o uso inteiro de nossa razão desde o nascimento e se não tivéssemos sido guiados senão por ela”28. A partir daí, Franklin Leopoldo e Silva fará o seguinte fundamental comentário:
Eis, portanto, o núcleo metódico da reconstrução da ciência desde os fundamentos: o inteiro uso da razão não contaminada por opiniões derivadas de prejuízos e preconceitos. Encontramos aqui a raiz de algo que antes de ser um procedimento mostra-se uma atitude fundamental: a reflexão, a volta para si mesmo, o propósito de estudar a si mesmo, seguindo com rigor e despojamento o fio dos pensamentos, enfim, o percurso do espírito pelo espírito, o único caminho.29 (Grifos meus.)
A matemática desponta como o grande trunfo de Descartes, por conta de sua linguagem explícita e exata e de não permitir diferentes opiniões sobre um mesmo achado ou demonstração. Além do mais, Descartes entende que os elementos da matemática, como números e formas geométricas, existem não fora e necessários de serem percebidos pelos sentidos, mas dentro da própria razão: os elementos da Matemática são internos ao pensamento e, no entender dele, aquilo que é interno ao pensamento situa-se precisamente na dimensão do sujeito e é para isso que se voltará sua atenção. Em Descartes, o sujeito é o ser do pensamento:
é, portanto, o sujeito pensante, é pensamento! Ponto de partida desse sujeito, ao começo, é contar apenas consigo mesmo, posto que toda a realidade externa, confrontada pelo princípio da dúvida metódica, tornou- se bastante problemática e não pode ser considerada como imediatamente evidente. Quero, então, assinalar que o sujeito é interiorizado e, dono da ação pensante, conta apenas consigo mesmo. Descartes vai a uma ênfase muito forte: “(…) verifico aqui que o pensamento é um atributo que me pertence; só ele não pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo.”30
ROUSSEAU
O Filósofo das Luzes, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi também alguém de bastante destaque na construção coletiva de um sujeito moderno. Distingue-se, todavia, tanto de Descartes quanto de seu contemporâneo Kant, porque não institui como núcleo de tal sujeito a razão, por entender que só tardiamente é que o refletir chega ao ser humano.
No Discurso sobre a desigualdade entre os homens, ele dirá que, em “estado” de natureza, o homem não possui razão ou reflexão, faculdades características do estado de sociedade, que só aparecem no ser humano por conta de um seu diferencial que é sua perfectibilidade: sua faculdade (aparentemente ilimitada) de aperfeiçoamento, e o leva do estado de natureza a um ser sociável.
Porque o refletir ocorre tardiamente no homem é que nele haveria uma só virtude natural em seu estado de natureza: o sentimento moral de piedade, uma “repugnância inata de ver sofrer seu semelhante”. É disso que deriva, enfim, a idéia rousseauniana do bom selvagem. Tal piedade seria a gênese de sentimentos sociais como generosidade, benquerença, clemência e comiseração.
Assim, para o filósofo francês, o sujeito é um ser do sentimento e não propriamente da razão e o sentimento moral refere-se, para Rousseau, à noção de sujeito.
KANT
Muitos autores optam por datar em Kant, e não em Descartes, o início da Modernidade, tal a sua importância para esse período.
Seja como for, depois do caminho aberto por Descartes, Imannuel Kant (1724-1804), questionando a natureza de nossos conhecimentos, submete a razão a um tribunal para julgar o que podemos e o que não podemos conhecer, dando limites de nosso pensamento. Para ele, a consciência se relaciona com fenômenos. O indivíduo, por meio de faculdades a priori (não dependem da experiência), produz e dá sentido ao real no interior de si mesmo, representando-o e não sendo o real externo a ele, e é exatamente isso que é a razão. Portanto, com o aporte kantiano a razão coloca-se como o núcleo do sujeito moderno.
Kant nos dirá, com sua filosofia crítica, que o sujeito da modernidade é um sujeito já emancipado31. O ideal da subjetividade nesse sujeito coincide com a emancipação e a realização da liberdade e autonomia: estas caracterizam o espírito da modernidade. Em seu famoso artigo O que é o Iluminismo (1783), respondendo a uma proposta de um jornal de Berlin, Kant sustenta que:
lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.32
(Observação: Iluminismo ou Esclarecimento, são ambas traduções do alemão Aufklärung)
Depreende-se já do texto a oposição entre uma Menoridade racional (a humanidade na infância, tutelada) e uma Maioridade racional (a humanidade no tempo adulto, livre para pensar, rumo ao Iluminismo). Assim, a referência a Kant não é apenas por sua importância histórica, mas, principalmente, pelo que diz respeito às consequências da noção de subjetividade presente nele e que vai inaugurar novas formas nas estruturas que governam a relação entre o sujeito e o objeto, vale dizer, entre nós e o mundo. Esse sujeito, como dito acima, liberado das amarras que antes o tolhiam de poder pensar o mundo e exercer sua razão, libertado de uma menor idade… O homem da modernidade há-de colocar seu pensamento no reino da liberdade, e deverá ter a coragem para isso, desde que o entendimento ele já possui. Mas Kant adverte – sapere aude (ousa saber) – que mesmo que seja o pensamento o lugar da liberdade, ele pode também ser o lugar da tutela, caso dele não se aproprie, o pratique e o defenda a pessoa. Se isso ocorrer, o sujeito da modernidade, que é o mesmo que o sujeito do pensamento, poderá ser sujeitado a outrem, restando um sujeito sujeitado. E se isso acontecer, a responsabilidade sempre será do próprio sujeito que se deixa sustentar: eis o que se depreende do notório primeiro parágrafo do citado texto de Kant.
Todavia, o que se tem visto no momento atual é um denso grau de convivência de menoridade e maioridade racional, seja porque os que avançam, refluxam, seja porque outros ainda permanecem não saídos da menoridade, mesmo agora. Sempre há os que não ousam… O próprio Kant dirá mais adiante em seu texto que não se vivia (àquele então) numa época já esclarecida, ainda que se estivesse chegando ao esclarecimento. Haveria, portanto, todo um caminho a se percorrer.
Segundo o Professor Leopoldo Silva, para Kant
(…) a instância unificadora das representações a que chamamos Eu não pode aparecer, ela mesma, como representação objetiva, visto que lhe falta a intuição empírica, condição de realidade de qualquer objeto. Como Kant recusa a metafísica como saber teórico, o Eu não pode aparecer com o estatuto de espírito, mente ou consciência como em Descartes, porque tal representação escapa aos limites do que pode ser conhecido. Consequentemente, a função unificadora que a consciência exerce em relação às representações do sujeito não pode ser definida nem empírica nem metafisicamente, ficando restrita a uma possibilidade formal. 33
HEGEL, MARX
Na visão de Hegel a história é um continuum (mais tarde Foucault, como o fizera Nietzsche na Segunda consideração intempestiva, se oporá a isto e dirá que a história é descontínua, é uma descontinuidade permanente) e se desenvolve por meio de um processo dialético interno e necessário. Com esse desenvolvimento dialético o sujeito absoluto vai tomando consciência de si até chegar à autoconsciência total.
Com o mundo moderno, o sujeito atinge capacidades e talentos humanos permanentes, como a estabilidade de seu eu, a consciência de sua vida e de que é uma identidade racional-moral-psicológica, transparente a si, dono de seus atos. Faz-se maravilhosamente soberano, autônomo (independe de reis absolutistas e da Igreja), porque, com sua subjetividade, pensa criticamente, sente e interage com o mundo objetivo. Repita-se que essa autodescoberta de si deu-se por conta de ocorrências da modernidade, como o renascimento, o protestantismo e o iluminismo, que libertaram a consciência individual das instituições políticas e religiosas medievais. Contudo, a vaidade de ser um sujeito estável, soberano, dono de sua vontade e ações, infelizmente não perdurou. O andar do pensamento e da ciência e da técnica relativizou, e muito, noções antes sólidas como Deus, verdade, virtude, razão, justiça, bem-mal. O avançar do conhecimento pôs em cheque valores absolutos da modernidade, e o sujeito racional e autônomo viu-se problematizado.
Karl Marx (1818-1883), durante o século XIX, é quem primeiro inicia a desconstrução da idéia de sujeito. Em Marx, o sujeito é o proletariado, é Comuna de Paris (1871), a massa rebelada, um sujeito em ação, que se faz em armas contra o Ministro Adolphe Thiers e contra o poder prussiano de Otto Von Bismark.
Para Marx não há “ser humano”, há humanos em conflito. O materialismo-histórico revela que o sujeito é determinado pelo que faz, é determinado pelo seu ser social. Marx dirá:
A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende, antes de mais nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e que eles precisam reproduzir. Não se deve considerar esse modo de produção sob esse único ponto de vista, ou seja, enquanto reprodução da existência física dos indivíduos. Ao contrário, ele representa, já, um modo determinado da atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção.34
O comportamento material estimula as representações e pensamentos do sujeito. Para Marx, a maneira pelas quais fabricamos os bens necessários à nossa vida revela o como pensamos, nossas moral, religião e filosofia. O pensamento que nucleará o sujeito será o reflexo do desenvolvimento material objetivo da história.
NIETZSCHE, FREUD
Friedrich Nietzsche (1844-1900) também irá “martelar” na desconstrução da idéia de um sujeito moderno. Ele não comungará com a tese de origem do sujeito, mas, em vez disso, o entenderá por meio de uma genealogia, a qual o vê surgir de forças de relações de poder. O sujeito se forma no campo dos fatos históricos, das contradições, das relações de força e poder. O conceito de um “eu” estável, permanente, deixa de ter sentido, posto que o ser humano é alguém cujas qualidades não estão fixadas.
Sigmund Freud (1856-1939) talvez seja o pensador que desferirá o mais duro e nocauteador golpe no eu cartesiano da razão e no eu kantiano iluminista. A esses eus do glamour, o analista famoso da Berggasse 19, anteporá um eu edipiano, dessa forma causando um ferimento que permanece aberto no narcisismo da humanidade. Para ele, nós todos somos comandados por impulsos irracionais provindos do inconsciente. Nem somos autônomos nem racionais e donos de nós; nosso eu “não é senhor em sua própria casa”!
O sujeito que daí advém não é um ser da consciência, porém, muito mais, é determinado em seus atos e desejos pela inconsciência, em detrimento do esplendor da razão.
Apesar de, em 1914, Freud apresentar o texto Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo, no qual desenvolve conceitos como o de narcisismo primário e da construção do Eu, repita-se que, paradoxalmente, ele se refere pouco em sua obra aos termos alemães equivalentes a subjetividade e a sujeito, muito embora, daí o aparente paradoxo, fosse exatamente sobre a subjetividade que ele estivesse trabalhando. James Strachey, tradutor de Freud para o inglês, que fez um índice remissivo para toda sua obra, mostra que ele empregou a palavra sujeito uma única vez, na Metapsicologia (a teoria ou doutrina psicanalítica a partir da experiência empírica da clínica), porém de maneira não usual, mais exatamente ao enfocar o estudo das vicissitudes da pulsão relativamente às vicissitudes da satisfação no masoquismo, satisfação que demanda o objeto receptor (num primeiro enfoque) da pulsão, o masoquista, e o agente externo operador, aí o sujeito.35 Mencionei, linhas antes, que a citação de sujeito nesse contexto é pouco usual, porque se trata de um sujeito que foi objetificado pelo masoquista, este sim o sujeito da ação, ao escolher aquele para ser o agente que lhe permitirá atingir a satisfação de sua pulsão. Decorre daí que esse parágrafo de Freud, que cita a expressão sujeito, o coloca, de fato, como um agente resultante da pulsão (a vicissitude da pulsão do masoquista), portanto algo muito longe e diferente do sujeito da tradição idealista platônica, um sujeito ideal, glamurizado; da visão cartesiana do sujeito potente e dono de si, capaz de racionalmente buscar o saber; e da visão romântica daquele sujeito que é um ímpeto de/para a vida e uma turbulência de paixões (Sturm und Drang, tempestade e ímpeto: dístico do Romantismo literário alemão, 1760-1780, para tipificar uma essência da subjetividade humana). Assim, o sujeito freudiano não seria nem idéia nem representação.
O sujeito freudiano tem seu ponto de partida no sujeito cartesiano, conforme explicitou Lacan36. Mas, o caso é que, enquanto o sujeito cartesiano, fortalecido pela visão iluminista e pelas teses kantianas, parece, por meio da razão, ser dono de seu pensamento e da elaboração precisa de seu conhecimento (sapere aude…), o sujeito freudiano se sujeita a seu inconsciente e à trama das vicissitudes das pulsões. A “aparição” do inconsciente, na altura de 1900, representa uma ruptura com toda a tradição anterior na maneira de como o sujeito era até então percebido. Eu diria que a vinda de um “sujeito do inconsciente”, isto é, aquele sujeito que, independentemente de o querer, abriga (e fomenta) um inconsciente, fulmina o sujeito da consciência (consciência soberana de si, de seus atos e determinações, de seu saber e de seu ousar).
Esse sujeito portador de um inconsciente pensa, pensa-se a si, mas…
o pensam. Ele, agora, se é determinado por si, por seu consciente, é também determinado por seu inconsciente. Há nisso, portanto, uma co- determinação permanente em que cada um dos lados, também permanentemente, procura alcançar a supremacia, instalando-se, então, uma eterna disputa bélica e dialética entre o princípio de realidade e o princípio de prazer.
Freud mostra que o sujeito não pensa única e autonomamente a partir de sua própria vontade. Trata-se, pois, repito, do homem que não é senhor em sua própria casa, como Freud disse. Há coisas, assim, no sujeito cartesiano, que ele ignora, coisas que brotam desde fora da consciência, a partir de um inconsciente incontrolável, forma de opacidade que anula a transparência do sujeito cartesiano. Assim, insista-se novamente, a existência do inconsciente é uma grande ferida narcísica para o Cogito.
Como se sabe, e foi exposto antes, a questão do sujeito, o sujeito explicitamente falando, ocupa um quase nada na Metapsicologia freudiana, tanto que, invocando Cabas, “é possível dizer que, para a grande maioria dos comentaristas da obra freudiana, parece haver consenso de que o próprio de Freud não é o sujeito (…) é o inconsciente. E, aí, a primeira conclusão que se impõe é que enquanto o inconsciente é freudiano, o sujeito é lacaniano.”37
Todavia, mesmo que Freud não tenha epistemologicamente discorrido a respeito daquilo que é o sujeito, não pode haver dúvida de que é a partir de sua obra que nasce um novo sujeito na história da humanidade, que é o sujeito que tem um inconsciente e que, por causa disso, irá se diferenciar imensamente do sujeito construído a partir das teses cartesianas e endossado pelo iluminismo kantiano. E neste ponto, por exato, há-de se destacar um aspecto crucial nessa transformação “de desmonte”. É que o sujeito da razão, com Descartes, o sujeito da clareza, com o iluminismo, o sujeito do saber, com Kant, que, por tudo isso e por saber, pode aspirar à liberdade, libertar-se das trevas, da tutela de outrem, esse sujeito, com Freud, ou com a obra de Freud se assim preferirem, volta ao obscuro do inconsciente, volta a ser sujeitado pelas “razões” (melhor, forças) desconhecidas de seu próprio inconsciente, perdendo a liberdade que sonhara antes haver conquistado. Portanto, o sujeito freudiano, ou o sujeito do inconsciente, é alguém que perdeu liberdade, aliás uma liberdade que, então, nunca haveria tido. E se quisermos carregar ainda mais na tinta, o sujeito que se nos apresenta a partir do pensar do psicanalista de Viena, sujeito do/para o inconsciente, sujeito psicanalítico, sujeito sujeitado a um outro que está na casa dele, é, inexoravelmente, um sujeito sexuado, um sujeito habitado por conflitos permanentes, estruturais, entre suas pulsões (sujeito das pulsões), seus desejos e recalques.
Aspecto dos mais polêmicos e debatidos, seja na filosofia seja na psicanálise, passando pela religião, e que se precisa também destacar, é aquele que diz respeito à existência ou não de uma “natureza” humana. Parece que para a psicanálise, no rastro do pensamento freudiano, não se pode propriamente falar em uma natureza humana, em uma essência humana do sujeito (seja boa – Rousseau, ou má – Hobbes), posto que o humano é de fato “constituído” por um grande vazio. A essência do sujeito é a falta, ou mais, é o desejo que a falta motiva. Por aí vê-se que esse sujeito está caracterizado pela indeterminação, pela ausência de um lugar pré- definido, e, assim, pela imprecisão de um estatuto. No entanto, convém aduzir que com a tese freudiana da pulsão de morte e, em Lacan, as idéias de real e de gozo, abre-se caminho para que até se pense numa essência destrutiva e cruel, sádica, do humano.
HEIDEGGER
No mais fundo do fundo não há nada, a não ser rupturas para outros fundos (e a angústia existencial que isto nos suscita). Só o abismo e o fundamento – que é último e primeiro… O ser é o que está detrás. O ser se apresenta retirando-se; ocultando-se… Nunca se apresenta de frente…
Eis no que me suspendo toda vez que leio um pouco mais desse grande autor!
Martin Heidegger (1889-1976), elo entre o existencialismo de Kierkegaard e a fenomenologia de Husserl, é o filósofo que liquida com o sujeito, e também nos mostra o fracasso do ser, dizendo que a apropriação que faz o ente antropológico da realidade não é o sujeito, o sujeito não é o que constitui a realidade, mas agora a realidade é apropriada pela técnica do sujeito, técnica desenvolvida pela modernidade capitalista, que ele tanto critica (como Nietzsche). Assim, enquanto todo o pensamento ocidental na modernidade fez do sujeito humano o absoluto centro objetal de suas reflexões, assumiu que pensar a realidade é pensar o humano, Heidegger se posicionará como o primeiro pensador pós-humanista na medida em que descentra o ser humano. Com Heidegger, o sujeito morre como ponto de partida epistemológico. A pergunta pelo ser não pode ser equivalida à pergunta pelo ser-humano.
Heidegger lança mão da história da metafísica para desnudar a dominação que o sujeito moderno exerce: com sua história da metafísica ele critica o subjetivismo moderno. Para ele, a subjetividade da autoconsciência é o fundamento absolutamente seguro da representação, com o que o ente em sua totalidade se muta em mundo subjetivo de objetos representados, e a verdade se cristaliza em certeza subjetiva. Portanto, no mundo moderno o homem se faz o sujeito inquestionável e ausente de toda ação e planejamento do mundo: este se torna um mundo de representações, não de objetos. Sujeito, para Heidegger, é relação com o mundo cuja essência é a transcendência, logo, sujeito é função.
Segundo Werle:
(…) logo no começo de Ser e tempo, Heidegger afirma que a questão do ser não se coloca senão ao ente e privilegiado, que é capaz de questionar o ser, que tem uma compreensão do ser. Esse ente é o homem, chamado por um filósofo disse “ser-aí” [Dasein], o homem na medida em que existe imediatamente no mundo. (…) Dasein é o homem na medida em que existe na existência cotidiana do dia-a-dia, junto com os outros homens em seus afazeres e preocupações. Para investigar o Dasein enquanto possui sempre uma compreensão de ser, impõe-se uma analítica existencial, que tem como tarefa explorar a conexão das estruturas que definem a existência do Dasein, a saber, os existenciais. (…)
A analítica existencial tem de partir, portanto, do ser que apenas pertence ao Dasein, e não se acomodar previamente a uma teoria que explique de fora o que é existência humana (…). O ponto de partida, pois, é duplo: tanto o ser-aí quanto a compreensão imediata que ele mesmo tem do ser em sua existência, a qual precede toda a atividade científica e de saber. Ao partir desse terreno, Heidegger é também forçado a recusar como ponto de partida da filosofia a noção de sujeito ou de consciência tal como ocorre na filosofia moderna, e igualmente a concepção de que o homem é um animal racional, bem como recurso uma transcendência, por exemplo, à idéia de um ente criado por Deus. O ser-aí é imediatamente o homem e o mundo ao mesmo tempo, em sua realidade finita imediata, entregue a seu destino.38 (Grifo meu.)
Em A questão da técnica, ele confronta a técnica desde sua essência e aporta conceitos como:
- desocultamento – maneira de deixar-ver a essência) e
- gestell (= “armação”). Nas suas palavras:
Armação que significa a reunião daquele pôr que o homem põe, isto é, desafia para desocultar a realidade no modo do requerer enquanto subsistência. Armação significa o modo de desabrigar que impera na essência da técnica moderna e não é propriamente nada de técnico. Ao que é técnico pertence, em contrapartida, tudo o que conhecemos como sendo estruturas, camadas e suportes, e que são peças do que se denomina como sendo uma montagem. Esta, contudo, com todo o seu conjunto de peças, recai no âmbito do trabalho técnico, que sempre corresponde apenas ao desafio da armação, mas nunca perfaz esta ou mesmo a efetua.39
Gestell seria o ordenamento pelo qual a tecnologia moderna seleciona, captura, armazena, distribui os recursos da natureza. Ge-stell é o conjunto de todos os modos de posição que se impõem ao ser humano na medida em que este existe hoje. Destarte, das Ge-stell não é o produto de uma maquinação humana, e sim o modo extremo da história da metafísica, ou, é o destino do ser, pelo qual o homem vai da época da objetividade à da disponibilidade: nesta nossa futura época tudo está sempre à disposição, mediante o cálculo de uma imposição; já não há objetos; apenas “bens de consumo” à disposição de cada consumidor, o que consolida um grande mercado da produção-consumo. A partir disto, fala de um sujeito mecanizado, inerte ao gestell: o homem imagina ter criado a tecnologia, todavia, pelo contrário, é ela que o cria e o transforma. O homem é, realmente, senhor da relação com a técnica, porém não dela em si. Heidegger fala, também, em “fundar a clareira” como possibilidade de saída para esse movimento de todas as coisas.
O filósofo, principal representante alemão da filosofia existencial (apresentou essa sua filosofia na obra inacabada Ser e Tempo40 – Zeit und Sein, publicada em Marburgo, em 1927), parte da indagação do sentido do ser, enfocando o ser humano, que, justamente, se interroga continuamente a esse respeito.
Contudo, Heidegger não é um filósofo da existência e, como está claro já no início de Ser e tempo, a problemática da existência não constitui a meta da obra, mas apenas o ponto de partida para o que verdadeiramente lhe interessa, que é a questão do ser, o problema do sentido do ser em geral.41,42
O ser humano está tipificado por seu passado: seu ser caminha para a morte e sua relação com o mundo se dá por meio das idéias de preocupação, angústia, conhecimento e culpa. Assim, o homem deveria tentar fugir dessa sua condição cotidiana para atingir seu verdadeiro eu (e a própria filosofia é uma ferramenta para tanto).
O chamado segundo43 Heidegger, nos seus dois tomos sobre Nietzsche (Nietzsche44), faz uma crítica a Descartes, acusando-o de realizar uma antropologia, ou seja, um estudo sobre o homem, posto na centralidade, e tal homem se esquece do ser e vai-se dedicar à conquista dos entes. O homem permite-se ser interpretado, o que põe abaixo a crença de que o ser se manifesta como pura presença. Viver em estado de interpretado é o mesmo que ter uma existência inautêntica (ou imprópria, que é a cotidianidade) e se a reconhece por: avidez por novidades; o que há que ver; o que há que ler. (A vida autêntica, para Heidegger, se dá quando nos apropriamos de nossa possibilidade mais própria, e a mais própria de todas, por óbvio, é a da morte.) O sujeito, ao mesmo tempo que está sujeitado pelo poder, busca na repetição de seus atos diuturnos a forma de ocupação e esquecimento de seu ser condicionado pelo trajeto nascimento-morte, desde quando cada um de nós é um ser mortal, ser- para-a-morte. Mas, estejamos alertas ao lembrete de que nada há contra os elementos da cotidianidade; o errado está em que no fluir do tempo – e sobretudo nos dias atuais –, ela se tornou sobrevalorizada e totalitária e vela todo o demais de nossa própria, inexorável e inalienável condição.
Heidegger aplica a fenomenologia como uma opção contra a metafísica tradicional (a de Platão e, depois, a de Descartes) e o positivismo (o filosófico-sociológico e o lógico, da escola da filosofia analítica, divulgado pelo Círculo de Viena), que, conforme entende, enclausuravam o pensamento ocidental. Com sua crítica, ele recupera o pensamento ontológico (onto = grego “οντος”, on, onthos, particípio presente de eimi = ser, ente, “coisa”; to on = o que é) a partir de uma diferença ontológica (diferença entre ontológico – relativo ao ser, e ôntico – relativo ao ente) e por meio de uma filosofia que desvela o ser – o que é, e que deve nos tirar da experiência do pensamento dualista tal qual constatado na metafísica e no positivismo.
De acordo com Ghiraldelli Jr.:
Heidegger viu na metafísica, segundo o modelo platônico-cartesiano, o nascimento do pensamento dualista, expresso sempre por dicotomias. Em Platão, a dicotomia privilegiada foi a de real-aparente. Nos modernos, a dicotomia real-aparente
ganhou uma cobertura epistemológica, gerando a dicotomia sujeito-objeto. Esse tipo de pensamento teria se casado com o Humanismo. O fruto dessa união teria provocado um enfraquecimento da filosofia – o desvio de seu caminho autêntico. Isto é: o desvio de toda a reflexão ocidental.45
Heidegger denominou de “metafísica da subjetividade” a metafísica moderna, no sentido de que a modernidade encolheu a filosofia a um debate sobre a relação (epistemológica) entre sujeito e objeto. Para ele, o sujeito foi instituído como o que subjaz a tudo, potencialmente capaz, ele mesmo, de produzir o objeto.
Ghiraldelli Jr., cita Heidegger:
O objeto, por definição, só é objeto para um sujeito. O sujeito representa para si e em si o objeto – ou como algo que é descoberto ou como algo que é criado pelo sujeito. Até aí, meio problema. O problema mais desagradável teria sido a aliança disso tudo ao Humanismo. Com essa aliança, o sujeito passou a ser o homem, e o objeto o mundo.46
O mundo todo seria, então, uma representação construída pela capacidade e ação intelectiva do homem, pois o sujeito fundamentaria tudo. E essa representação seria exata, identificando-se à verdade. Ora, por esse caminho, o sujeito, que agora é o próprio homem, tem apenas a função estrita de se relacionar com o objeto: tudo no mundo é objeto para esse sujeito, incluindo o próprio homem. O Humanismo, melancolicamente, teria dado nesse dilema: o homem é o manipulador do homem (não apenas lobo…).
Prossegue Ghiraldelli Jr.:
Ao seguirmos este raciocínio, três conseqüências emergem sem dificuldades, especificamente nos campos filosófico, cultural e da vida cotidiana. Na filosofia, a situação denunciada por Heidegger teria produzido a hegemonia da epistemologia: a pretensão de se estabelecer uma teoria para descrever como que o homem descobre ou produz o saber, o que nada seria senão a manipulação em pensamento do meio ambiente. Na cultura, isso teria produzido o domínio da ciência sobre outras manifestações. O resultado: a preponderância do tipo de saber exclusivamente metodológico sobre qualquer outro tipo de saber. No âmbito da vida cotidiana, a tecnologia teria se tornado comandante de tudo o mais. A tecnologia, enfim, teria se transformado no afazer par excellence do homem moderno. Todas as coisas que nos cercam teriam assumido uma única característica, a de ser recurso – o que “rende” e que “não rende”. Nós mesmos nos veríamos assim. Pela educação, principalmente, estaríamos sempre procurando sermos transformados em elementos mais habilidosos para nos mostrar como recurso, tais como os objetos ao nosso redor. Todo nosso propósito seria o de nos fazermos passíveis de troca. Um propósito que pudesse ser chamado de essencial, isto é, imanente às entidades do mundo, teria desaparecido na medida em que nós e todas as coisas do mundo simplesmente teríamos passado a pertencer ao campo da circulação dos objetos imposta pela tecnologia.47
Empregando a fenomenologia, Heidegger ousa se livrar desse (tenebroso) mundo (moderno) da manipulação de uns pelos outros. Ele sugeriu que a filosofia como epistemologia, a cultura como Humanismo e a ciência como tecnologia fossem postas de lado e que retornássemos à convivência com o que fora abandonado: o ser – aquilo que é e que se mostra, e não o que é representado. E isso poderia ser alcançado pela linguagem, mas não uma linguagem da filosofia analítica, e sim a da vivida em experiência, segundo o fenômeno da linguagem, de modo a deixar aquilo que é – o ser – evidenciar-se em sua casa; a linguagem precisa se mostrar como ela é – como aquilo que fala para nós, por nós (e que nos fala), e não o que é falado segundo nosso comando de pretensos sujeitos.48
Contudo, na obra Caminos de Bosque49, ele, de qualquer sorte, sublinhará a importância do sujeito – e da subjetividade como base da liberdade, e atribuirá a descoberta de tal fundamento a Descartes. Primeiro escreve:
En la sofística griega cualquier subjetivismo es imposible, porque en ella el hombre nunca puede ser subjectum. No puede llegar a serlo nunca porque aquí el ser es presencia y la verdad desocultamiento.
En el desocultamiento acontece la fantasía es decir, el llegar a aparecer de lo presente como tal para el hombre que está a su vez presente para lo que aparece. Sin embargo, como sujeto representador, el hombre fantasea, es decir, se mueve en la imaginado, en la medida en que su capacidad de representación imagina lo ente como aquello objetivo dentro del mundo como imagen.50
Para logo depois dizer:
La tarea metafísica de Descartes pasó a ser la siguiente: crearle d fundamento metafísico a la liberación del hombre em favor de una libertad como autodeterminación con certeza de si misma. Pero este fundamento no sólo debía ser él mismo cierto, sino que, dado que quier norma procedente de otros ámbitos era rechazada, debía ser también de tal género que, gracias a él, la esencia de la libertad a la que se aspiraba se planteasse como ·aurocerteza. Ahora bien, todo aquello que tiene certeza a partir de sí mismo, tiene que asegurar también al mismo tiempo la certeza de aquel ente por mor del cual debe obtenerse la certeza de semejante saber y debe asegurarse todo aquello susceptible de ser sabido. El fundamentum, el fundamento de dicha libertad, lo que subyace en su base, el subjectum, tiene que ser por lo tanto algo cierto que satisfaga las citadas exigencias esenciales. Pasa a ser necessário un subjectum que destaque desde todas esas perspectivas. ¿Cuál es ese elemento cierto que conforma y da lugar al fundamento? El ego cogito (ergo) sum. Lo cierto es una proposición que expresa que al mismo tiempo (simultaneamente y con una misma duración) que el pensar del hombre, el hombre mismo está también indudablemente presente, lo que ahora significa que se há dado a sí mismo a la vez que el pensar. Pensar es representar, una relación representadora con lo representado (idea como perceptio).51
No entanto, esse entender de Heidegger pode ser posto em questão, uma vez que na antiga sofística grega parece já haver menções ao subjetivismo. A revolução filosófica que muda o interesse pelo conhecimento do mundo exterior para o sujeito (auto) pensante é já praticada pelos sofistas, como por Górgias. Assim, segundo Sexto Empírico em Adversus mathematicos, 65, no livro intitulado “Do Não-Ser, ou da Natureza”, conforme nos informa Pinharanda Gomes, Górgias definiu três princípios: primeiro, que nada existe, segundo, se algo existe é incognoscível, e terceiro, se fosse cognoscível, não poderia ser comunicado, nem divulgado.52 Heidegger parece aproximar subjetivismo (corrente gnosiológica dividida em subjetivismo realista e subjetivismo idealista) do idealismo subjetivo de Descartes, o qual, com o Cogito, reduziu o mundo ao imaginário da consciência solipsista, e tal aproximação pode resultar confusa.
Segundo Leyte, certa crítica entende que a história do ser trazida por Heidegger reproduz, simultaneamente, uma reconstrução que oculta uma filosofia da história: a própria relação entre um princípio (Grécia) e o seu fim (a modernidade), assim como o relato das sucessivas épocas dessa história: physis, logos, eidos, ousia, energeia, subiectum, como épocas do ser pressuporiam um ordenamento e uma sequência determinados.53
Outra contestação por demais importante é a de Emmanuel Levinas, filósofo que estuda muito a obra de Heidegger, e é influenciado por ela, mas que discorda bastante das idéias heideggerianas, por múltiplos motivos. Levinas, filósofo da alteridade, considera que, para Heidegger, a liberdade, claramente, tem a ver com a apropriação de nossa possibilidade mais própria: apropriar-me de mim mesmo. Contudo, seu entender é justo o contrário: ser livre não é apropriar-se de si mesmo, mas é escapar de si! Portanto, Levinas vai onde Heidegger, mesmo com o gigantismo de seu pensamento, não conseguiu chegar: que ser livre é escapar-se de si porque em si mesmo sempre habita o outro.
SARTRE X LACAN e FOUCAULT
Sartre será o filósofo de um sujeito livre. O homem é sempre liberdade.
Para Lacan, o sujeito será sempre o que um significante representa. Portanto, o sujeito seria dependente da linguagem. O sujeito é algo cortado. Aparece quando se faz um corte, como uma fenda numa fita ou faixa ou banda de Möbius, figura geométrica utilizada por Lacan.
Michel Foucault (1926-1984) será outro filósofo a fazer uso de um martelo de demolição contra aquele sujeito iluminista. Estudando nossa cultura, ele enquadrou as maneiras pelas quais os seres humanos tornaram-se sujeitos. Foucault toma a genealogia nietzschiana para estudar a história das instituições disciplinares da modernidade e caracteriza a constituição do sujeito a partir de formas de discursos e de relações de poder.
Segundo suas observações, do século XVII em diante, através de alguns tipos de análise de questões jurídicas, judiciárias e penais, surgem conhecimentos como a sociologia, a psicopatologia, a criminologia e a psicanálise. Essas práticas regulares de controle, que se modificaram ao longo da história, estabeleceram tipos de subjetividade, individualidade e técnicas de aplicação disciplinar, que fizeram com que o corpo do indivíduo se tornasse útil à produtividade. Isso demonstrou que o sujeito moderno dócil, trabalhador e responsável, se consolidou por meio das práticas disciplinares em instituições de controle como quartel, hospital, fábrica, escola e prisão.
Foucault nos ensina a respeito de uma Ontologia histórica, ontologia dos sujeitos, e nessa genealogia foucaultiana deparamo-nos com54:
- um sujeito do conhecimento em cada uma das épocas (no campo da verdade),
- um sujeito da ação, que influi e que controla os demais (no campo do poder),
- sujeito da moral (no campo da moral e da ética).
Foucault surge em seguida a Sartre, no século XX, como grande estrela da filosofia francesa. Será influenciado pelo estruturalismo de Claude Levi Strauss e por Nietzsche, via sua leitura de Heidegger. Para Foucault, o homem não existiu como tal até o século XVII. Os humanos de até então não se auto concebiam como o homem; a idéia que temos do homem como sujeito – palavra-chave – começa no século XVII.
Em seu livro, como que de estréia, As palavras e as coisas, postulará que: “O homem está morto”. Vê-se que é uma idéia paralela àquela de Nietzsche de que “Deus está morto” (A Gaia Ciência, 1882: “Deus está morto. Deus continua morto. E fomos nós que o matamos.” Cap. 3, §125).55
Com tal afirmação, o que propõe Foucault é sair do sujeito, sair do sujeito cartesiano.
O sujeito não está no centro nem domina a realidade. Foucault dirá que o sujeito pertence à “trama histórica”, está em algum lugar desta. Mas não é um sujeito constituinte da realidade e sim constituído pelas relações de estruturas. Portanto, Foucault retira o sujeito da posição de centralidade, onde o havia colocado Descartes (e Sartre o manteve) para deixá-lo agora dentro da estrutura. O sujeito está sujeitado por distintas forças da modernidade que fizeram dele um constructo. O que se vai colocar no centro agora é a estrutura, e o sujeito será, por sua vez, colocado dentro da estrutura e submetido a muitas determinações.
Razão X Loucura: Para Foucault, a razão (o sujeito do Cogito) se instalou para dominar aos homens. Ele irá atacá-la em suas obras “História da Loucura na Época Clássica” (1961) e “Vigiar e Castigar” (1975). A loucura é a antítese, a negação da razão. A razão reluta em admitir e aceitar que parte dela é a loucura. Ademais, o mundo racional que foi imposto ao homem é um grande gerador de loucuras. A sociedade racional decide, então, isolar a loucura nos manicômios benthamianos (o panóptico atuará como produção de sujeitos – ver Vigiar e Castigar). A “sociedade disciplinar”, para dominar os homens, precisa, portanto, apartar a loucura, numa relação de exclusão. A sociedade racional precisa apartar de si aquilo que lhe é diferente.
A Sociedade Racional, a Razão, acaba por dominar o poder, e mais, adquire o poder de ter poder, comanda o poder comunicacional, e com isso escolhe e determina a verdade, e assim determina, condiciona, forma, em grande parte, a subjetividade humana, os homens como meros receptores do processo de comunicação que intenta estabelecer fatos e verdades. Mas aprendêramos com Nietzsche que “não há fatos, há interpretações”.
Todavia – o poder tem o poder de impor sua interpretação… Assim, a meta do poder é a de sujeitar ao sujeito.
O poder do Estado Moderno (Poder & Saber) é o prolongamento do Poder Pastoral da Igreja na Idade Média, que se dá no ato da confissão do sujeito com o padre. Quando o sujeito vai ao médico, por exemplo, ele “confessa” seus males e problemas como antes fazia com o padre. O médico passa a saber dele, o advogado passa a saber dele, mas não ele desses profissionais. O mesmo entre psiquiatra, psicanalista, psicólogo e louco (ou paciente). O psicanalista, portanto, exerce uma forma de poder pastoral.
Para Foucault, não há uma verdade única, vertical; a verdade é guerra, o conhecimento é guerra; e, portanto, na estrutura estratégica foucaultiana não há sujeito, há lutas.
Segundo ele, “o homem que se rebela é inexplicável” (referia-se a sua experiência de observador da revolução iraniana contra o xá), e a isso acrescenta Jose Pablo Feinmann (que na verdade se opõe à tese) que pode mesmo ser, tendo-se em vista que o homem está condicionado “pelo lugar em que nasce, pelo inconsciente, pela linguagem, pela semiologia, pela linguística de Ferdinand Saussure, pela antropologia de Levi Strauss, (…) por Lacan, pela linguagem lacaniana que nunca termina por encontrar o sujeito” e, se condicionado por tudo isso, resulta que seja mesmo inexplicável que ele se rebele.56
O sujeito racional, cartesiano, está morto, determinado pela construção de si “pela linguagem, pelo poder, pela palavra, pela economia, pelo mercado, pelo inconsciente. Há forças que sujeitam ao sujeito.”57
O sujeito toma consciência de suas limitações, por isso morre o sujeito cartesiano. De acordo com a Linguística do século XIX, não é o homem que fala a linguagem, mas a linguagem que fala o homem através de estruturas prévias. A tragédia vem de que, quando tomo consciência agora de que sou produzido, sou construído, sou um constructo, e quero averiguar quem me construiu, meu próprio pensamento não é puro para isso, porque já está contaminado pelo processo de sua construção desde elementos e forças exteriores. O eu já não pode sair do fato de ter sido produzido.
Foucault faz um comentário célebre ao já citado texto clássico de Kant sobre o Iluminismo. Põe em tela a questão de que para o homem poder transitar da menoridade para a maioridade racional é necessário que haja trabalho, ou seja, o ser humano precisa se dispor a fazer isso, a transformação será produto de sua determinação e trabalho e não cairá dos céus como um presente ou uma dádiva. Diz Foucault:
É preciso notar que essa saída [do estado de menoridade] é apresentada por Kant de maneira bastante ambígua. Ele a caracteriza como um fato, um processo em vias de se desenrolar: mas a apresenta também como uma tarefa e uma obrigação. Desde o primeiro parágrafo enfatiza que o próprio homem é responsável por seu estado de menoridade. É preciso conceber então que ele não poderá sair dele a não ser por uma mudança que ele próprio operará em si mesmo. De uma maneira significativa, Kant diz que essa Außklärung tem uma “divisa” (Wahlspruch): ora, a divisa é um traço -distintivo através do qual alguém se faz reconhecer; é também uma palavra de ordem que damos a nós mesmos e que propomos aos outros. E qual é essa palavra de ordem? Aude saper, “tenha coragem, a audácia de saber”. Portanto, é preciso considerar que a Außklärung é ao mesmo tempo um processo do qual os homens fazem parte coletivamente e um ato de coragem a realizar pessoalmente. Eles são simultaneamente elementos e agentes do mesmo processo. Podem ser seus atores à medida que fazem parte dele; e ele se produz à medida que os homens decidem ser seus atores voluntários.58
Ou seja, se o sujeito declina de sua tarefa de se tornar esclarecido, a história fará isso por ele? A resposta é não, e então em vez de iluminismo retorna-se (ou não se sai) ao mundo das trevas.
ADORNO E HORKEIMER
Adorno e Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento (1944, publicado em 1947), exibem as consequências do advento da técnica e da sociedade de massas, que desde a segunda metade do século XIX alcançam a humanidade. Eles confessam um desencanto em relação ao marxismo e à razão esclarecida.
Esses dois fortes nomes da Escola de Frankfurt (Alemanha/Estados Unidos) defendem que a razão do iluminismo não aconteceu como força histórica, mas virou um mito, uma abstração, um instrumento formal apenas, técnico e operacional, a ser usado como meio para diversos fins. A razão moderna, de fato, passou a ser aplicada cada vez mais, porém nos meios para fazer tal ou qual coisa ou fim, vale dizer, a razão passa a ser instrumento de realização não de libertação, e a pergunta principal da obra citada é, então, se é racional o fim para o qual a razão está sendo aplicada… Ou seja, toda a revolução, a transformação iluminista, se dá para quê, a que pretende levar? E parece mesmo que muitos dos produtos obtidos pela aplicação de todos os instrumentos da racionalidade não tiveram nada de racionais, por exemplo (entre outros): Auschwitz!
A humanidade, por via da razão, não adentrou um estado deveras humano, mas subjugou-se a um estado de barbárie e de involução social, destruindo seu potencial emancipador. A razão formal fez-se relação calculada entre meios e fins, e as pessoas, por meio dessa racionalidade, se ajustaram à sociedade e ao domínio social de forma espontânea.
Produção e distribuição de mercadorias e bens, trabalho, lazer e entretenimentos do mundo capitalista invadiram a subjetividade do que deveria ser o indivíduo autônomo. O establishment produtivo capitalista e suas crias se aplicaram ao sistema social.
Tal racionalidade instrumental contaminou todos os setores da vida social, fazendo dos controles tecnológicos a personificação da razão. Impediu-se, assim, qualquer tentativa de ruptura.
Vítimas desse capitalismo, os consumidores adotaram gozosamente produtos, serviços e formas de bem-estar social. Então, mais uma vez, aquele indivíduo autônomo e iluminado ocultou-se. A subjetividade foi tomada pelos controles tecnológicos. A indústria cultural se apoderou da consciência das massas, dificultando cada vez mais qualquer pensamento crítico.
Os autores dizem:
A opinião segundo a qual ao nivelamento e à padronização dos homens corresponde, por outro lado, um crescimento da individualidade nas chamadas personalidades de líderes (Fuhrer), proporcionalmente a seu poder, é errónea e constitui ela própria uma parte da ideologia. Os senhores fascistas de hoje em dia são menos super-homens do que funções de seu próprio aparelho de publicidade, pontos de intersecção das reacções idênticas de inúmeros indivíduos. Se, na psicologia das massas hodiernas, o líder representa menos o pai do que a projecção colectiva e desmesuradamente aumentada do ego impotente de cada indivíduo, então as figuras dos líderes correspondem a ele efectivamente. Não é à toa que se parecem com cabeleireiros, actores de província e jornalistas chantagistas. Uma parte de sua influência moral reside justamente no facto de que, embora impotentes, se o consideramos em si mesmos, no que se assemelham a todos os outros, eles representam para esses a plenitude do poder, sem por isso deixarem de ser simples lugares vazios que o poder veio ocupar. Não é que eles constituam uma excepção ao processo de desintegração da individualidade, mas se trata antes do facto que a individualidade desintegrada neles triunfa e, de certo modo, se vê recompensada por sua desintegração. Os líderes tornaram-se totalmente o que sempre foram um pouco durante toda a era burguesa: actores representando o papel de líderes. A distância entre a individualidade de Bismarck e a de Hitler é praticamente a mesma que existe entre a prosa dos Pensamentos e Recordações e a algaravia de Mein Kampf (Minha Luta). Os que lutam contra o fascismo não têm o menor interesse em reduzir as imagines inflaccionadas do Fuhrer à real medida de sua nulidade. O filme de Chaplin tocou pelo menos um ponto essencial, mostrando a semelhança entre o barbeiro do gueto e o ditador.59
Adorno foi um dos mais notáveis pensadores a refletir sobre o fenômeno dos meios de comunicação de massas, a indústria cultural, e suas possibilidades para o bem e para o mal. Ele estudou o que é que se perde quando tal processo de massificação, popularização, ocorre. Ao lado do ganho, evidente, de democratização e inclusão, parece haver a perda da capacidade crítica da obra cultural e/ou de arte, uma forma de sua domesticação, pacificação, eu diria, tomando a metáfora da imunologia (tão bem desenvolvida depois por Byung-Chul Han em Sociedade do cansaço), que com a massificação da crítica cultural, industrializada em entretenimento (que passa a ocultar o que promete), a sociedade se imuniza contra sua mordacidade e já não se desacomoda mais quando nova inoculação ocorre. Se isso é verdade, então o processo de subjetivação que se dá nesse caldo, pela ausência de análise crítica de seu entorno, entorpecido pelo aspecto fulminante espetaculoso daquilo que antes era crítico, gera sujeitos monótonos, ajustados apenas à produção da própria indústria cultural e seu consumo. E la nave va…
RICOEUR
Paul Ricoeur60 (1913-2005), um filósofo da psicanálise, comentará que não se pode dizer que somos um sujeito, mas que estamos em processo para tanto.
Isso introduz a percepção de tempo e de dinâmica à nossa idéia/sensação de sujeito. É verdade, mais do que nunca somos sujeitos em constante formação & transformação. Principalmente nesses já tão apontados tempos da contemporaneidade, em que pelo poder inimaginável das tecnologias informacionais e de computação, a quantidade e a diversidade de opiniões, fatos, hábitos e normas que nos chegam é avassaladora.
Na obra intitulada O voluntário e o involuntário (1950), que compõe A filosofia da vontade, Ricoeur discute como a relação recíproca voluntário- involuntário se modela na dimensão tripla: decidir-agir-consentir. Eu suporto este corpo que governo, teria sido a reflexão, e Ricoeur entende que o homem concreto é vontade falível e, por isso, capaz de mal. Ele o vê como frágil, no fio da navalha entre o bem e o mal – e, assim, envolto com a culpa.
Ricoeur vai, então, da questão do mal à elaboração de uma filosofia da linguagem, começando por um escrito, em 1965, que aborda Freud: Da interpretação. Ensaio sobre Freud. Aqui, o símbolo segue tendo um papel bastante importante, mas deixa de ser compreendido apenas no seu aspecto religioso para ser entendido, também, sob o significado da cultura, no terreno da cultura. Semelhantemente à interpretação dos sonhos de Freud, toda obra da cultura é interpretada como símbolo. Com isto, Ricoeur rompe com idealismos, subjetivismos e solipsismos; pelas mãos da fenomenologia husserliana rompe-se “a identificação cartesiana entre consciência e consciência de si” ou ainda é possível “escapar ao solipsismo de Descartes (…) para levar a sério o quadro histórico da cultura”. 61
Para compreender o homem é preciso interpretar. A “ciência” de Freud interpreta e altera a cultura, e define a idéia de consciência. Marx, Nietzsche e Freud formarão o poderoso trio dos “mestres da suspeita”, que semeará, ad aeternum, a dúvida no interior da fortaleza cartesiana da consciência. Com Marx, a consciência não determina o ser, mas o ser social é que determina a consciência. Com Nietzsche, consciência é a máscara da vontade de poder. Finalmente, com o neurologista austríaco, o Eu é um infeliz submetido (sujeitado) a três chefes: o “Isso”, o “Superego” e a “Realidade”-“Necessidade”. O trabalho de Ricoeur pode ser entendido como uma teoria da pessoa humana; o conceito de pessoa retomado na longa trajetória pelas produções simbólicas do homem e após os estragos produzidos pelos mestres da “escola da suspeita”. Em 1983, ele afirmou que “Se a pessoa retoma, isto verifica-se porque ela continua sendo o melhor candidato para sustentar as batalhas jurídicas, políticas, econômicas e sociais”, e, de fato, confrontada com a “consciência”, com o “sujeito” ou o “eu”, a pessoa é um conceito sobrevivente e que hoje (creio que pode se aplicar a hoje mesmo, 2018) voltou a viver com força.
Conforme explicam Reale e Antiseri, em II. Paul Ricoeur: a falibilidade humana e o conflito das interpretações, na obra História da Filosofia 6 De Nietzsche à Escola de Frankfurt, Ricoeur questiona:
Ainda Ricoeur: “Consciência? Como se poderia ainda crer na ilusão de transparência associada a este termo, depois de Freud e da psicanálise? Sujeito? Como se poderia alimentar ainda a ilusão de uma fundação última em algum sujeito transcendental, depois da crítica das ideologias efetuadas pela Escola de Frankfurt? O eu? Mas quem não sente com força a impotência do pensamento para sair do solipsismo teórico […I? Eis a razão – conclui Ricoeur – pela qual prefiro dizer pessoa em vez de consciência, sujeito, eu”. E a pessoa é atenazada na dialética entre liberdade e culpa, e se sente só diante de Deus, como o cavaleiro da fé de que fala Kierkegaard, cavaleiro que, diante de Deus, “não dispõe em todo caso a não ser de si próprio, em um isolamento infinito.”62
Ricoeur argumenta estar a modernidade baseada numa concepção cartesiana do eu, como se ele fosse transparente a si mesmo, enquanto o eu deveras humano, real, o eu “encarnado”, como dito por Gabriel Marcel (e aqui, necessariamente, penso em Santo Agostinho), é opaco para si mesmo. Crê Ricoeur que nós somos incomensuravelmente mais do que aquilo que sabemos de nós, noutras palavras, eu sou insondável para mim mesmo. Ora, com Descartes evoluímos muito, sem dúvida (não vai nisso um trocadilho de mau gosto), pois eu tenho segurança de que penso e existo, eu sou coisa pensante, eu sou! Mas o que sou? Quem sou? E aqui ficou o vácuo, a falta de uma explicação, uma falta… Descartes explica que sou, mas não quem sou. Existe uma insondabilidade do sujeito, uma impenetrabilidade na verdadeira substância do sujeito, a qual pode ser suposta como seu inconsciente e que remeterá depois a uma arqueologia do sujeito.
Ricoeur lê e traduz do inglês e do alemão, e conversa com correntes internacionais de pensamento: da fenomenologia alemã até a hermenêutica de Gadamer e a filosofia analítica inglesa e norte-americana. Tal diálogo múltiplo está em considerável parte de seus textos. Em Tempo e narrativa, a questão central poderia ser tematizada como a tentativa de uma hermenêutica do si pelo desvio necessário dos signos da cultura, sejam eles as obras da tradição ou, justamente, as dos contemporâneos, como nos explica Jeanne Marie Gagnebin.63
No prefácio de Si mesmo como um outro (Soi-même comme un autre, 1990), Ricoeur escreve que à “exaltação do Cogito” se contrapõe um Cogito “quebrado” (brisé) ou “ferido” (blessé), e, ao mesmo tempo, essa quebra é a apreensão de uma unidade muito maior, mesmo que nunca totalizável pelo sujeito: a unidade que se estabelece, em cada ação, em cada obra, entre o sujeito e o mundo. Já em Filosofia da vontade, livro do começo de suas publicações, alguns temas centrais do pensamento ricoeuriano são delineados e se poderia sublinhar: a não-soberania do sujeito consciente e sua relação simbólica e cultural com esse outro que lhe escapa.64
Por fim, a filosofia de Ricoeur, para a sociedade e para o sujeito, não deixa de ser influenciada por sua formação religiosa cristã e protestante.
Conforme Gagnebin65, ele entende o religioso como “a referência a uma antecedência, a uma exterioridade e a uma superioridade”, noções constitutivas do como sou precedido no mundo do sentido, o que sinaliza para o reconhecimento do sagrado como o que nos precede e nos ultrapassa. Inquirido do papel do cristianismo para seu pensamento, responde desde uma economia do dom mais fundante que uma economia estritamente racional da troca ou do lucro, e duma relação com o sagrado, intimamente associada à economia da graça, cujo resultado é destronar o sujeito desse lugar central conferido pela tradição filosófica moderna a partir de Descartes. Aponta, ainda, a crítica de Heidegger ao humanismo e o questionamento das pretensões do sujeito em Foucault pois seguiriam, diz, na mesma direção que “minha convicção, a saber, que o sujeito não é o centro de tudo, que ele não é o senhor do sentido” Textualmente, Gagnebin pondera:
Resta saber se essa convicção aponta exclusivamente para a noção de sagrado, se ela não poderia também remeter a uma realidade mais secular, talvez até psicanalítica, de aceitação da própria finitude em oposição à comunidade maior dos vivos – e dos mortos. Resta saber também se essa receptividade em relação a um sentido, talvez obscuro, mas anterior à existência individual do sujeito, pode ainda competir com a jubilação irônica e gloriosa do relativismo pós-moderno que, aliás, recoloca paradoxalmente o sujeito no centro desse palco efêmero, pois somente o brilho do seu desempenho devastador é motivo de gozo. Agora, assumindo de vez um tom polêmico, eu diria que, nesses tempos de triunfalismo neoliberal e de narcisismo de príncipe e de princípio, um pensamento que chacoalha a gloríola do sujeito e lhe lembra, simultaneamente, sua inscrição na história e sua finitude, só pode ser bem-vindo; ele recorda à filosofia uma luta antiga, que não se tornou vã depois de Nietzsche e da morte de Deus: a luta contra os ídolos, em particular contra aqueles que o próprio pensamento tende a erigir para si mesmo em substituição dos deuses mortos.66
Imprescindível que seja aqui citado é o livro Hermenêutica e Psicanalise na obra de Paul Ricoeur67, do psicanalista Sérgio Franco, que apresenta um longo quadro crítico da vida e da obra do filósofo francês, sublinhando, justamente, dois termos fundamentais do seu pensamento: hermenêutica e psicanálise. Entende-se a psicanálise como um estilo de hermenêutica, uma forma própria de compreender a fala humana, bem como a cultura. Também a questão da temporalidade é destacada: assim, enquanto para Freud o passado sempre atua fortemente sobre o presente do sujeito, para Ricoeur o futuro – e a esperança –, podem determinar o presente.
BYUNG-CHUL HAN
Byung-Chul Han, num texto de 2010, nos fala de uma sociedade do cansaço68, que chega a tal esgotamento-cansaço por conta de seu apetite hipertrófico e interminável por produção/produtividade e resultados, mesmo no campo do pessoal. Nessa sociedade se instalou o psicopoder (sucessor do biopoder da sociedade disciplinar), que é insidioso, se apresenta sob uma máscara amigável, sedutora, convincente, fazendo-nos crer que somos livres. Na sociedade do psicopoder, da psicopolítica (a política da era digital), somos agentes disciplinadores de nós mesmos, e a disciplina instaurada é a da produção-resultado, do sucesso econômico, das metas, enfim, fixadas e ultrapassadas para serem re-fixadas! O sujeito dessa sociedade, um protótipo multitarefas, sujeito-flex, já não seria de fato sujeito, no sentido mais convencional, posto que não está sujeitado a forças externas, porém internas.
Portanto, o “sujeito” da sociedade do desempenho-cansaço é muito mais um projeto-de-si do que alguém sujeitado. Trata-se aqui do você S/A, você-empreendedor-empresário-executivo, você-operador-do-próprio- destino. O subjectum metamorfoseou-se em projectum. A multidão desses serezinhos-independentes que “constroem” suas opiniões e atitudes, gera exatamente a capacidade de produção de que o sistema se nutre e se reproduz. O mais cruel, é que agora a falha pessoal é então atribuída ao próprio indivíduo, por todos e por ele mesmo, e assim não há mais a imagem do tirano externo contra o qual se possa lutar ou organizar movimentos coletivos de revolta.
Depois, em Sociedade da transparência69 (2012), o autor – que, como apontei acima, já havia transformado sujeito em projeto, agora, prosseguindo nessa desconstrução, transmuta o sujeito em objeto (objectum), objeto exposto: na sociedade da transparência tudo se expõe, a transparência mostra, evidencia, desnuda a coisa, a cara, a face. Nas redes sociais as pessoas se expõem, se desvelam, mostram sua face (facebook…), exibem a si como um produto, se coisificam, tornam-se objeto (e, pensando em Guy Debord e em Douglas Kellner, tentam se transformar num tipo de espetáculo), espelham não só sua superfície, superfície corpórea, mas, também, seus dados pessoais e de identidade. Todavia, diz o filósofo, que a transparência é tanta e tão “obscena”, e a luz da transparência que irradia as pessoas é tão intensa, que até as faz desaparecer. Destarte, o resultado final é o contrário do desejado.
A TÍTULO DE ENCERRAMENTO
Percorrer esses diferentes e agudos autores pode nos aturdir um pouco. Afinal, o que se vai desprendendo da análise é uma espécie de caldo não muito otimista quanto ao que é o sujeito que somos – ou que em nós carregamos – e sua liberdade, autonomia e beleza. E perceba-se que nem cheguei aos ataques intensos e cruéis que vêm sendo, mais do que nunca, agora perpetrados contra a estabilidade do eu-sujeito e sua integridade como a conhecemos, conforme, por exemplo, a possível e perversa distopia anunciada no assustador livro 24/7 Capitalismo tardio e os fins do sono70, de Jonathan Crary, em que se pensa uma humanidade desprovida da noite, do escuro, da sombra, do sono, voltada 24 horas por dia, 7 dias por semana – sempre!, às atividades, à produção e ao consumo: o soldado 27/7, o trabalhador 24/7, o consumidor 24/7!
Mas nem considero o “passeio” terminado (sei que fui insuficiente e ainda falta muito ao texto, seja em horizontalidade seja em verticalidade), nem assumo uma postura decepcionada/decepcionante com nossa história. Talvez eu esteja a meio caminho entre o importante e combatido pensador Emil Cioran (depois, é claro, de já haver navegado muito no interessantíssimo Schopenhauer) e esses ditos novos otimistas71
Afinal, não gostaria de ver ou saber que o projeto humano fracassou e sigo insistindo na esperança de que meus netos saberão muito mais e melhor do que eu…
E para isso, assumo e quero desenvolver uma intuição/inspiração que me determina a seguir caminhos da valorização da outridade (Levinas), da linguagem (Ricoeur), da contemplação72 e, sobretudo, da poesia. Por isso, encerro com Heidegger (grande apreciador da poesia de Friedrich Hölderlin, 1770-1843, e que considerava a poesia o lugar privilegiado da manifestação do ser), em Caminhos de Floresta:
(Para quê poetas?)
Não é a tão falada bomba atómica que é, enquanto maquinaria especial de morte, o que é mortal. O que há muito ameaça o homem de morte e, em particular, da morte da sua essência humana, é o incondicionado do mero querer, no sentido do impor-se propositado contra tudo. O que ameaça o homem no seu ser é a opinião volitiva segundo a qual basta a exploração, a transformação, a armazenagem e a condução pacíficas das energias naturais para que o homem possa tornar a condição humana suportável para todos e, na generalidade, feliz. Mas a paz deste carácter “pacífico” é simplesmente o frenesim imperturbado da fúria do impor-se orientado, propositadamente, apenas para e por si mesmo. O que ameaça o homem na sua essência é a opinião segundo a qual poderia arriscar-se sem perigo esta imposição da produção, desde que, além disso, outros interesses, por exemplo os de uma fé, permanecessem válidos. (…). O que ameaça o homem na sua essência é a opinião segundo a qual a produção técnica põe o mundo na ordem, ao passo que é precisamente esta maneira de pôr na ordem que nivela, na uniformidade da produção, qualquer ordo, i.e., qualquer hierarquia, destruindo deste modo, à partida, o domínio de uma possível proveniência de uma hierarquia e de um reconhecimento a partir do ser.
Não que a totalidade do querer seja, só por si, o perigo, mas antes o querer ele mesmo, sob a forma do impor-se no interior do mundo, que apenas é admitido como vontade. O querer que quer a partir desta vontade decidiu-se já a mandar de um modo absoluto. Com esta decisão, entrega-se prontamente à organização total. Mas antes de tudo, a própria técnica impede qualquer experiência da sua essência. Pois, enquanto se desdobra plenamente, ela desenvolve nas ciências uma espécie de conhecimento, o qual permanece impedido de alguma vez aceder à esfera essencial da técnica, ou sequer de repensar a sua proveniência essencial.
A essência da técnica apenas lentamente vem à luz do dia. Este dia é a noite do mundo remodelada como dia técnico. Este dia é o dia mais curto. Com ele surge a ameaça de um único e infinito Inverno.73
NOTAS E REFERÊNCIAS
1 CABAS, Antônio Godinho. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan – da questão do sujeito ao sujeito em questão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010. p. 13.
2 Johann Friedrich Herbart (Oldemburgo, 4/maio/1776 – Göttingen, 11/agosto/1841), filósofo, psicólogo, e pedagogo alemão, funda a pedagogia como disciplina acadêmica. Professor de filosofia em Göetingen, depois em Königsberg, onde cria um seminário pedagógico com escola de aplicação e um internato. Seus principais estudos foram em filosofia do espírito, à qual subordinou suas obras, entre elas, Pedagogia Geral e Esboço de um Curso de Pedagogia.
3 Wilhelm Maximilian Wundt (Neckarau, 16/agosto/1832 – Großbothen, 31/agosto/1920), médico, filósofo e psicólogo alemão, um dos fundadores da psicologia experimental. Entre as contribuições que o tornam merecedor desse reconhecimento histórico registram-se a criação, em 1879, do primeiro laboratório de psicologia no Instituto Experimental de Psicologia da Universidade de Leipzig, Alemanha, e a publicação de Principles of Physiological Psychology (1873), em que afirmava seu propósito, com o livro, de demarcar um novo domínio da ciência.
4 CABAS, Antônio Godinho. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan – da questão do sujeito ao sujeito em questão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010. p. 13.
5 Idem. p. 14.
6 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6ª. ed. [Tradutor: Alfredo Bosi] São Paulo: Editora Martins Fontes, 2012. p. 1096.
7 Ver Hypokeimenon: https://wikipedia.org/wiki/Hypokeimenon. Acessado em 3/jan/2017.
8 Ver Ousia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ousia. Acessado em 3/jan/2017.
9 Orígenes (grego: Ὠριγένης), ou Orígenes de Alexandria ou Orígenes de Cesareia ou Orígenes, o Cristão (Alexandria, Egito, c. 185 – Cesareia, ou, mais provável, Tiro, 253), foi um teólogo, filósofo neoplatônico patrístico e é um dos Padres gregos. Vários escritores cristãos se inspiraram nele e na Escola de Alexandria: Sexto Júlio Africano; Dionísio de Alexandria, o Grande; Gregório Taumaturgo; Firmiliano, bispo de Cesareia (Capadócia); Teognosto; Pedro de Alexandria; Pânfilo e Hesíquio. (Orígenes de Alexandria não deve ser confundido com o filósofo Orígenes, o Pagão, 210-280, mais jovem, que também pertenceu à da Escola de Alexandria, mas era discípulo de Plotino.)
10 Há uma grande transformação desde aí na intervenção do trabalho como estratagema dignificante para a vida e a virtude. Veja-se: SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. São Paulo: Record, 1999. 208 p.
11 Esse redemoinho neoliberal, principalmente a partir dos anos 1970, produz várias influências também sobre a APA – American Psychiatric Association e, por certo, sobre
seu DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
12 A respeito, ver a obra La Société psychiatrique avancée – Le modèle américain, de Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell (Paris: Grasset, 1979. 366 p.), em que os autores apontam que os tratamentos neuropsiquiátricos ou cognitivistas, contrariamente a suas promessas, podiam demorar tanto quanto o psicanalítico, porém sob a lógica de pacotes terapêuticos curtos, que, porém, se sucediam.
13 TAYLOR, C. Fuentes del yo – la construccion de la identidade moderna. [Trad. Ana Lizón.] Barcelona: Ediciones Paidós Iberica S.A., 2006. 795 p.
Disponível em espanhol em: https://filosinsentido.files.wordpress.com/2013/07/3177.pdf TAYLOR, C. As fontes do self: a construção da identidade moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1997. 672 p.
14 Ver: http://casadosaber.com.br/sp/cursos/ferias/o-conhecimento-de-si.html. Acessado em 3/jan/2017.
15 PLATÃO. Apologia de Sócrates. [Cerca de 399 a.C. Tradução de Maria Lacerda de Souza] Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/270801/mod_resource/content/1/platao%20apologia%20de% 20socrates.pdf. Acessado em 4/jan/2018.
16 Idem.
17 LEOPOLDO e SILVA, Franklin. O conhecimento de si. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, São Paulo: Casa do Saber, 2011. p. 26.
18 Idem p. 27.
19 PLATÃO. Teeteto. [Tradução: Carlos Alberto Nunes]. Pdf disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000068.pdf. Acessado em 7/jan/2018.
20 LEOPOLDO e SILVA, Franklin. O conhecimento de si. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, São Paulo: Casa do Saber, 2011. p. 54-5.
21 AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. [Tradução J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina] São Paulo: Folha de São Paulo, 2010. [Coleção Folha: Livros que mudaram o mundo, v.12] (12. A conversão) p. 121.
22 LEOPOLDO e SILVA, Franklin. O conhecimento de si. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, São Paulo: Casa do Saber, 2011. p. 47.
23 Idem. p. 48.
24 SANTO AGOSTINHO. Sermões. São Paulo: Paulus, 1998. Sermão 43.
GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. [Tradução Eduardo Brandão] São Paulo: Martins Fontes, 2001. Na página 144 desta obra, o autor escreve: “Um texto célebre do Sermão 43 resume essa dupla atividade da razão numa fórmula perfeita: compreende para crer, crê para compreender (intellige ut credas, crede ut inelligas).”
Pdf disponível em: https://marcosfabionuva.files.wordpress.com/2012/04/e-gilson-a-filosofia-na- idade-mc3a9dia.pdf. Acessado em 10/jan/2018.
25 LEOPOLDO e SILVA, Franklin. O conhecimento de si. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, São Paulo: Casa do Saber, 2011. p. 52.
26 SANTO AGOSTINHO. Sermões. São Paulo: Paulus, 1998. Sermão 306.
27 Ver: Foucault, por Darío Sztajnszrajber https://www.youtube.com/watch?v=03aGHnsSzh0&t=1620s aos 28 minutos e mais. Acessado em 20/jan/2018.
28 DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Difel, 1964. p. 42.
29 LEOPOLDO e SILVA, Franklin. O conhecimento de si. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, São Paulo: Casa do Saber, 2011. p. 68.
30 Idem. p. 79.
31 Iluminismo e a expectativa kantiana de emancipação 1. Palestra do Professor Franklin Leopoldo e Silva. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-9r0OKGryF4 . Acessado em 22/jan/2018.
32 KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: “O que é o Iluminismo?” (1784) [Tradutor: Artur Morão]. Pdf disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf. Acessado em 21/jan/2018.
33 LEOPOLDO e SILVA, Franklin. O conhecimento de si. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, São Paulo: Casa do Saber, 2011. p. 15.
34 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. [Introdução Jacob Gorender; tradução Luis Cláudio de Castro e Costa] São Paulo: Martins Fontes,1998. p. 11.
Pdf disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2547009/mod_resource/content/1/MARX%2C%20Karl.%20A
%20ideologia%20alem%C3%A3.pdf. Acessado em 3/fev/2018.
35 STRACHEY, James B. Índice de comentários e notas. Obras completas de Freud. V. 24,
- 247. (Conforme CABAS, Antônio Godinho. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan – da questão do sujeito ao sujeito em questão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010. p. 22.)
36 CABAS, Antônio Godinho. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan – da questão do sujeito ao sujeito em questão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010. p. 16.
37 Idem. p. 29.
38 WERLE, Marco A. Martin Heidegger – o homem na clareira do ser. In: SANTOS, Mário
- (org.) Os pensadores, um curso. Rio de Janeiro: Casa da Palavra São Paulo: Casa do Saber , 2009. p. 213-215.
39 HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica [Tradução de Marco Aurélio Werle]. Scientiæ zudia, São Paulo, v. 5, n. 3, p.: 375-98, 2007. Pdf disponível em: file:///C:/Users/Fausto/Downloads/11117-13991-1-PB.pdf. Acessado em 2/abr/2018.
40 No Brasil: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. [Edição bilíngue. Tradução: Márcia Sá Calvacante Schuback]. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2006. 1200 p.
41 CARPIO, Adolfo P. Principios de filosofia – uma introducion a su problemática. 2ª. ed. Buenos Aires: Glauco, 2004. p. 389. Pdf disponível em: https://filosofosinsentido.files.wordpress.com/2013/07/2332.pdf. Acessado em 25/mar/2018.
42 WERLE, Marco A. Martin Heidegger – o homem na clareira do ser. In: SANTOS, Mário
- (org.) Os pensadores, um curso. Rio de Janeiro: Casa da Palavra São Paulo: Casa do Saber , 2009. p. 212.
43 A obra filosófica de Heidegger é dividida em duas partes: uma, até o fim dos anos 1920; outra, daí em diante. (Alguns consideram ainda uma terceira parte, anterior à O Conceito de Tempo, conferência feita em 1924, e publicada, em francês, apenas em 1983). Fala-se, então, de um primeiro e de um segundo Heidegger, relativamente às suas produções antes ou depois do livro Da essência da Verdade, escrito em 1930 e publicado em 1943. Mas essa divisão suscita polêmicas. O primeiro é o da filosofia da existência, abordada na principal obra do autor, Ser e tempo (1927). O segundo Heidegger é um crítico da razão ocidental moderna, da racionalidade técnica e científica. De qualquer sorte, há um nó que une esses dois períodos e que é a questão do ser.
44 HEIDEGGER, Martin. Nietzsche – Seminários de 1937 e 1944. [Tradução: Enio Paulo Giachinio] Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2015. 304 p. http://www.universovozes.com.br/livrariavozes/web/view/DetalheProdutoCommerce.aspx?ProdID=85 32648800&
45 GHIRALDELLI Jr., Paulo. O meu Heidegger essencial. Disponível em:
https://ghiraldelli.wordpress.com/filosofia/o-meu-heidegger-essencial/. Acessado em 3/abr/2018.
46 Idem.
47 Idem.
48 Idem.
49 Em português:
HEIDEGGER, Martin. Caminhos de Floresta. [Tradução: Irene Borges-Duarte e outros] Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. Pdf disponível em: http://www.unirio.br/cch/filosofia/Members/ecio.pisetta/Filo.2015.2-Caminhos-de-Floresta%20-1-%20- 1.pdf. Acessado em 3/abr/2018.
50 HEIDEGGER, Martin. La época en la imagen del mundo. In: Caminos de Bosque. [Frankfurt, 1984 – Versión de Helena Cortés y Arturo Leyte.] Madrid: Alianza Editorial, 2010. p. 87.
Pdf disponível em: https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2014/03/163022101-heidegger- martin-caminos-de-bosque.pdf. Acessado em 10/fev/2018.
51 Idem. p. 88.
52 GOMES, Pinharanda. Filosofia Grega Pré-socrática. 4ª. ed. [Colecção Filosofia & Ensaios] Lisboa: Guimarães Editores, 1994. p.217. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/63566542/Filosofia-Grega-Pre-Socratica-4Ed-Pinharanda-Gomes-1994
53 LEYTE, Arturo. Heidegger – O fracasso do ser. [Tradução: Filipa Velosa] São Paulo: Editora Salvat, 2017. p. 94.
54 Fernando Savater. La aventura del pensamento – Michel Foucault.
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=riy4r2nYUjo&t=9s. Acessados em 23/fev/2018.
55 Ver Filosofía aquí y ahora – Foucault (I): https://www.youtube.com/watch?v=WtD_FJHxpWM e Filosofía aquí y ahora – Foucault (II) https://www.youtube.com/watch?v=kvOraXjQyjk&t=2s. Acessados em 23/fev/2018.
56 Ver Filosofía aquí y ahora – Foucault (II): https://www.youtube.com/watch?v=kvOraXjQyjk&t=2s aos 25 minutos. Acessado em 24/fev/2018.
57 Ver Foucault, por Darío Sztajnszrajber: https://www.youtube.com/watch?v=03aGHnsSzh0&t=1828s a partir dos 28 minutos. Acessado em 24/fev/2018.
58 FOUCAULT, Michel. O que são as luzes? In: FOUCAULT, M. Ditos e escritos (v.2). Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. [MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Tradução de Elisa Monteiro] Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. v. 2. p. 335-351.
59 ADORNO Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento – Fragmentos Filosóficos. [Dialektik der Aufklärung – Philosophische Fragmente, 1947, 304p.] Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 111.
Disponível pdf em: https://nupese.fe.ufg.br/up/208/o/fil_dialetica_esclarec.pdf . Acessado em 10/mar/2018. Ver também: https://zahar.com.br/livro/dialetica-do-esclarecimento.
60 Paul Ricoeur nasceu em Valence, França, em 27 de fevereiro de 1913, e morreu em Chatenay Malabry, próximo a Paris, em 20 de maio de 2005. Foi um dos grandes nomes do pensamento francês no pós Segunda Grande Guerra e se tornou conhecido por combinar a descrição fenomenológica e a interpretação hermenêutica. Por isso ele se liga a dois outros grandes fenomenologistas hermenêuticos: Martin Heidegger e Hans- Gerog Gadamer. Na Universidade de Yale, EUA, Ricoeur produziu uma importante obra de filosofia política. Ele também pesquisou linguística, psicanálise, estruturalismo e hermenêutica, com um interesse particular pelos textos sagrados do cristianismo. Entre suas idéias mais importantes destacam-se as de Hermenêutica, a filosofia da ação, a identidade narrativa. Cristão e antitotalitarista, notabilizou-se pela oposição à guerra da Argélia (1954-1962) e à da Bósnia, em 1992. Entre as suas obras contam-se Histoire et Verité (1955), Soi-même comme un autre (1990), La Memoire, l’histoire, l’oubli (2000) e L’Hermenéutique biblique (2001). Página oficial na Internet: http://ricoeur.iaf.ac.at/
61 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Uma filosofia do cogito ferido: Paul Ricoeur. Estudos Avançados, 11 (30), p. 261-272, 1997. Pdf disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a16.pdf. Acessado em 3/abr/2018.
62 REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Nieztsche à Escola de Frankfurt. [Tradução Ivo Storniolo]. São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção História da Filosofia: 6.) p. 273. Pdf disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Rwr6kmcounTieKsKsbFimP83RpEI8CD4/view. Acessado em 3/abr/2018.
63 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Uma filosofia do cogito ferido: Paul Ricoeur. Estudos Avançados, 11 (30), p. 261-272, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a16.pdf
64 Idem.
65 Idem.
66 Idem.
67 FRANCO, Sérgio de Gouvea. Hermenêutica e Psicanalise na obra de Paul Ricoeur. Coleção Filosofia, n. 35. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
68 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. 2ª. ed. ampl. [Tradução: Enio Paulo Giachini.] Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2017. 128 p.
69 HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. [Tradução: Enio Paulo Giachini.] Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2017. 116 p.
70 CRARY, Jonathan. 24/7 Capitalismo tardio e os fins do sono. [Tradução: Joaquim Toledo Jr.] São Paulo: Ubu Editora,2016. 144 p.
71 Pensamento que reúne autores de linhas políticas distintas, que empregam conjuntos de dados para analisar perspectivas de longo prazo e contradizer o pessimismo atual. Incluem-se, dentre outros:
- Steven Pinker (Montreal, 1954), autor de Os anjos bons da nossa natureza – Por que a violência diminuiu (Tradução Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 1088 p. Ver: https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13271);
- Johan Norberg (Estocolmo, 1973), autor de
- In Defence of Global Capitalism (em sueco, 2001), Cato Institute, 2003 (em inglês. Ver: http://www.johannorberg.net/books/)
- Progresso: 10 razões para acreditar no futuro (Tradução Alessandra Bonrruquer, Record, 252 p. Ver: http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=29782): ensaio escolhido livro do ano 2016 pela The Economist, em que o autor enfoca variáveis como pobreza, expectativa de vida, alimentação, liberdades, e as coteja com o panorama de dois séculos antes, concluindo que hoje se vive a melhor época da história humana. Neste livro, Norberg escreve: Esse progresso começa a se desenvolver com o Iluminismo e seus grandes avanços intelectuais, que ocorrem entre os séculos XVII e XVIII e nos ajudam a examinar o mundo através das ferramentas do empirismo. Pouco a pouco, aumenta o ceticismo com relação às autoridades, as tradições e a superstição. O corolário político dessa mudança é o liberalismo clássico, que rompeu os grilhões do autoritarismo, da escravidão e dos privilégios. E, não esqueçamos, a Revolução Industrial transformou a economia ao longo do século XIX e ajudou decisivamente a vencer a fome e a pobreza. Essas sucessivas revoluções bastaram para libertar grande parte da humanidade das duras condições de vida que eram habituais até então. Mais recentemente, nas últimas décadas do século XX, a globalização contribuiu para que essas ideias, liberdades e avanços tecnológicos se difundam por todo o mundo, ampliando e acelerando o alcance do progresso.
72 Ver a matéria: AZEVEDO, Fausto. Burnout, contemplação, ócio e saúde, em:
https://tempoanalise.com.br/burnout-comtemplacao-ocio-e-saude-2/.
73 HEIDEGGER, Martin. Para quê poetas? In: Caminhos de floresta. [Tradução: Bernhard Sylla e Vitor Moura] Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. p. 338-339. Pdf disponível em:
http://www.unirio.br/cch/filosofia/Members/ecio.pisetta/Filo.2015.2-Caminhos-de-Floresta%20-1-%20- 1.pdf. Acessado em 3/abr/2018.