Mais de Freud
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22 de maio de 2018Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Alexandre O’Neill, na obra No Reino da Dinamarca (1958, Lisboa, Guimarães)
Alexandre O’Neill teve muitos e diversificados interesses e atividades, porém, antes de mais nada, foi poeta, e um daqueles de tirar o ar, de nos colocar o fôlego em suspenso. Como, por exemplo, dentre tantos outros, nesse poema acima, Há palavras que nos beijam, em que com palavras doces e musicais, ele nos fala de… palavras! Quem de nós já não se deparou pela vida com palavras que De repente coloridas / Entre palavras sem cor / Esperadas inesperadas / Como a poesia ou o amor, catapultaram-nos para outro tempo-espaço no interior de nós mesmos?…
Alexandre Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões (Lisboa, 19/dezembro/1924 – Lisboa, 21/agosto/1986), da burguesia lisboeta e descendente de irlandeses, foi importante poeta do surrealismo português, corrente em que publica sua primeira obra, A Ampola Miraculosa, volume de colagens. As influências surrealistas destacam-se em suas criações, que, a mais dos livros de poesia, trazem prosa, discos de poesia, traduções e antologias.
Em 1947, duas cartas de Alexandre O’Neill demonstram seu interesse pelo surrealismo; numa delas diz já possuir o manifesto de Breton e a Histoire du Surrealisme, de M. Nadeau. Por volta de 1948, ele está na articulação do Grupo Surrealista de Lisboa, ao lado de Mário Cesariny, José-Augusto França, António Domingues, Fernando Azevedo, Moniz Pereira, António Pedro e Marcelino Vespeira. As primeiras reuniões ocorreram na Pastelaria Mexicana, na Praça de Londres. Em 1949, ocorrem as manifestações do movimento surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa. O’Neill publica A Ampola Miraculosa, um dos primeiros números dos Cadernos Surrealistas, constituída por 15 imagens e respectivas legendas, sem nenhum nexo lógico entre a imagem e legenda, que pode ser tomada como marco do surrealismo português.
Em 1958, com No Reino da Dinamarca, O’Neill é reconhecido como poeta. Na década de 1960, a mais produtiva literariamente, publicou poesia, antologias de outros poetas e traduções. Sua poesia alia uma atitude de vanguarda com a influência da tradição literária. Seus textos satirizam Portugal e os portugueses, desconstruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neorealismo, a que opõe, zombeteiramente, a vida mesquinha, a dor do quotidiano, numa alternância entre o absurdo da vida e o humor. A solidão, o amor, o sonho, o tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se “O Poema Pouco Original do Medo”, com a figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, da qual o homem só se libertará através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de certo desespero perante o marasmo do país — “meu remorso, meu remorso de todos nós“.
Além da palavra escrita, O’Neill produziu em outros meios de comunicação, como música, cinema, teatro, televisão e publicidade. Na música, saliento a belíssima letra do fado “Gaivota” feito para a voz de Amália Rodrigues (1970), com música de Alain Oulman (Ouvir aqui: https://www.youtube.com/watch?v=TP4BnfUm0eI).
Fontes:
http://cvc.instituto-camoes.pt/seculo-xx/alexandre-oneill.html#.Wvs9wlVKjIU
https://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=332
http://ensina.rtp.pt/artigo/alexandre-oneill-o-poeta-que-jogava-com-as-palavras/