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15 de agosto de 2018Otto Gross (Otto Hans Adolf Gross, Áustria, 17 de março de 1877 – Berlin, 13 de fevereiro de 1919) foi um psiquiatra e psicanalista (da primeira geração) austríaco. Nietzschiano, promotor da poligamia, da liberação sexual e usuário de drogas (cocaína e morfina), exerceu forte influência sobre Carl Jung, depois de internado (maio de 1908) no hospital psiquiátrico Burghölzli (da Universidade de Zurique, na Suíça), onde ficou sendo tratado por Jung sob a supervisão de Bleuler. Freud prescreveu o pedido de internação:
Segue em anexo o atestado para Otto Gross. Se conseguir segurá-lo, não o deixe escapar antes de outubro, quando poderei me encarregar dele (06/05/1908).
Otto Gross
Jung deveria cuidar da desintoxicação do ópio e da cocaína, porque cinco meses depois Freud iria até o hospital e faria ele mesmo a análise de Gross — o que não ocorreu. Jung iniciou a análise sem consultar Freud a respeito. Gross propunha a luta contra o paternalismo e a prática intensiva de relações sexuais entre homens e mulheres. Por suas atitudes desafiadoras, ele se aproximou demais do anarquismo. Havia sido discípulo de Freud, e fora considerado por este e outros como promissor e de grande inteligência. Para ele, Nietzsche dera as metáforas e Freud, a técnica. Então, a psicanálise seria uma ferramenta com capacidade de promover o tipo de antimoral, a revolução dionisíaca que Nietzsche apregoara. Na tentativa de viver a vida que ele imaginou implícita em Freud e Nietzsche, estimulou muitos a viverem, sem culpa ou vergonha, seus instintos.
Com seus textos psicanalíticos, a originalidade e genialidade de suas idéias, Otto Gross ganhou destaque nos primórdios da psicanálise e encantou os que viviam ao seu redor, tanto psicanalistas (Freud, Jung, Ernest Jones, Sándor Ferenczi), quanto artistas e escritores (Franz Jung, Franz Kafka, Leonard Frank, Franz Werfel e Max Brod). Por que, então, Otto Gross foi esquecido – ou mesmo excluído – da história da psicanálise?
Ele foi abordado de maneira mais justa por historiadores sem interesse direto na história da psicanálise, mas sim no anarquismo; pelos escritores do expressionismo alemão ou pela sociologia de Max Weber. Nos anos 1970, houve um movimento importante de reaparecimento da obra de Otto Gross por meio desses historiadores. No final da década de 1990, num projeto sério de resgate e difusão da obra grossiana, surge a International Otto Gross Society (hoje denominada International Association for Otto Gross Studies – https://ottogross.org/).
Após fugir do Burghölzli, Gross fica o resto de sua curta vida vagando de um lugar a outro da Europa, escapando da polícia, que o perseguia por solicitação do próprio pai. E tornou-se, para Jung e Freud, um perigo à causa analítica. Sua escolha por uma vida anarquista e o uso de drogas lhe acarretavam muitas dificuldades, mas certamente sua exclusão do círculo psicanalítico o prejudicou demasiadamente. E a troco de quê?
Essa é uma longa discussão, um romance de intrigas e interesses pessoais (envolvendo nosso próprio Freud… ver também o artigo de Marcelo Checchia: Otto Gross: um caso de segregação e esquecimento na história da psicanálise, na Revista Lacuna 4 de junho de 2018, artigo, n. 5, https://revistalacuna.com/2018/06/04/n05-02/), que se esclarece – mas agudiza – à medida que documentos vão sendo revelados e avaliados. É o que nos mostra agora a obra Otto Gross: por uma psicanálise revolucionária, textos de Otto Gross, organizada por Marcelo Checchia, Paulo Sérgio de Souza Jr., Rafael Alves Lima; (tradução e notas: Paulo Sérgio de Souza Jr), da Editora Annablume, 2017, 270 páginas [http://www.annablume.com.br/loja/product_info.php?products_id=2226&osCsid=ih6nkjj8p3h]
Como escreve Luiz Eduardo Prado de Oliveira (Psicanalista membro do Espace Analytique. Diretor de pesquisa do CRPMS -Centre de Recherches Psychanalyse, Médecine et Societés, Universidade Paris7 – Denis Diderot, professor emérito de psicopatologia): “Um quadro de Paul Klee mostra um anjo que avança, com a cabeça virada para o espaço que já percorreu. Walter Benjamin comenta: parece que uma tempestade o empurra enquanto olha para um amontoado de ruínas. ‘O que chamamos de progresso é esta tempestade’ conclui o filósofo. A psicanálise também parece ser empurrada por uma tempestade: Adler, Stekel, Tausk, Rank, Ferenczi – que, em carta a Groddeck, afirma acreditar que morria cedo devido à sua decepção com Freud –, tais são os nomes de suas ruínas. Faltava o de Otto Gross. Este livro vem marcar a inclusão de seu nome nessa paisagem desolada.”
Assim reflete Marcelo Checchia: “Quem não obedece às regras e até mesmo às ideias do líder, é punido ou excluído. Isso aconteceu também com outros psicanalistas da primeira geração (Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Wilhelm Reich, Otto Fenichel, Otto Rank, entre outros), assim como das gerações seguintes: apenas para citar um caso famoso, Jacques Lacan foi preterido na IPA com a justificativa de não seguir a regra técnica acerca do tempo das sessões, que deveriam ser de cinquenta minutos.”
O imbróglio Otto Gross implica num desafio ético para os psicanalistas em diferentes aspectos: quanto ao uso do princípio de autoridade em suas diferentes formas; quanto ao modo de se lidar com os chamados “dissidentes”, especialmente aqueles que continuam exercendo a psicanálise fora das instituições ou dos cânones estabelecidos; quanto ao modo de se fazer história em psicanálise.
Para Checchia, o ocorrido com Gross “pode nos ajudar a melhor viver e a melhor exercer a psicanálise. E suas ideias, igualmente, podem ajudar a combater essa violência decorrente da estrutura patriarcal e do princípio de autoridade em todos seus aspectos e dimensões. Esperemos então que ele venha a ter algum lugar na história da psicanálise e nos debates psicanalíticos e políticos atuais.”
Indicação: Marcelo Checchia. O retorno de Otto Gross – o psicanalista que foi banido por Freud e Jung. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/08/o-retorno-de-otto-gross-o-psicanalista-que-foi-banido-por-freud-e-jung.shtml 4/ago/2018.