A Clemência de Tito
24 de abril de 2020Documentário realizado por David Teboul sobre a vida de S. Freud
5 de maio de 2020Por Ulisses Caballi Filho
Entre os horários vagos no consultório, em tentativa de ocupá-los, pensei: que tal, organizar meus livros nas estantes de maneira lúdica e simples (veja abaixo):
Na abertura “O Brincar e a Realidade”, fiz muito disso quando jovem, hoje, adulto e na fase “Neurótica”, organizo de A-Z, alinhando milimetricamente “Sobre a Visão e as Cores”, isto é, quando as letras, tamanhos e formatos ajudam. Em pé, ali parado, me sinto, “O Estrangeiro”, nada além de que o próprio “O Idiota”.
Em “Desassossego” com “O Ego e os Mecanismos de Defesa” acelero para terminar antes do próximo paciente chegar; volto atrás e sinalizo “Não Apresse o Rio” na tentativa de ser “O Homem Revoltado” por estar “Vivendo nos Fins dos Tempos”…
Quando olho para a segunda prateleira vejo o livro de um grande mestre: “A Espada de Salomão”, me inspiro nele.
Contudo, me desafio a entender essa “Caótica Ordem”, porém sigo em dúvida, quando me pergunto: sou: “Humano, Demasiado, Humano” ou o “Número Zero” , iniciando a lista da “Psicose” na “História da Loucura”, que vem bem me incomodar com esse tal de “Mal Estar na Civilização”.
Ouço o interfone, “Ei, Tem alguém Ai? “…Sim, respondo, vou atender. Antes disso, paro e vejo o “De que Amanhã” e “Visão de Paraíso”. Por isso, jamais tento bancar “O Adivinho” em saber onde está “O Capital”, provavelmente enfurnado em “A Ilha” quem sabe “Driblando a Perversão”.
Em tempos das lives, “O Grande Problema” é escolher qual “Tedtalks” assistir. Mas, com isso, só consigo pensar na “Paralisia” com a seguinte interrogação: no que mais eu preciso ter nessa lista1 para ampliar meus “Fundamentos de Negociação” com o propósito de tornar “O Profissional Competitivo”?
Tem sido, uma angústia ficar à deriva das “Espumas Flutuantes” enquanto “A Corveta” se perde aos mares, como o outro “Ulisses”, sem o olhar do seu verdadeiro “Amor nos Tempos do Cólera”.
Estaríamos ainda longes de alcançar a fé para ouvir e ver a cura do “O Homem da Mão Seca” pela nossa incapacidade de levar “Poesia Fora da Estante” como fez “O Pequeno Príncipe” em sua vida para inspirar novos “Sonhos” seguindo “Em busca do Tempo Perdido”.
…Depois de toda essa “Utopia”, surgem, duas perguntas: “Como Morrem os Pobres…” e “Quem Sobreviverá…”?.
Acreditem, tudo isso, é pura verdade! Estou mesmo organizando meus livros, mas este joguete foi fruto de uma corrente no WhatsApp, sobre autores brasileiros, veja ao final. Pensei, por que não usar da minha criatividade fazer minha “Arqueologia do Sujeito”! Guiado pela obsessão em não esquecer títulos importantes para mim, levei algumas horas, lembrei de vários outros tão admiráveis, mas por escolha de não estender o jogo com tudo que já li, optei por direcionar a leitura ao título deste artigo proposto, aprofundando em seu tema.
Durante a arrumação encontrei o livro “Contos e Lendas do Oriente” de Malba Tahan2; folheei até fixar meus olhos “Na Oitava Casa da Vida” (veja na integra, também no fim). Não me recordava dele em si, mas logo vislumbrei o tabuleiro do jogo e as aulas do professor grego, no clube de Xadrez, que dizia:
…“Só promova o peão a cavalo se na sequência da jogada for xeque-mate, ao contrário jamais faça este lance”…
…conexão imediata com o filme, O Cavalo de Turim3, muito provável pela associação livre das palavras abaixo:
-Mãe, seria eu um idiota?4
Talvez, ironicamente eu me respondo…
Fui conduzido pela paralisia do “Nosso Estado, que não é Nação” foi “Quando me Vi“ sozinho5 em busca de “Um Sentido para a Vida”, um novo, quiçá!!! Tendo a vontade como antidoto6 ao vírus desse senso comum que nos invade. E na incansável investigação pela clareza de fatos, saberes e conhecimentos para ressignificar velhos hábitos, com intuito, primeiramente de criar, depois pulverizar, novos Mindsets para, assim somente, liderar a jornada rumo (a) “A Montanha Mágica” continuarei o joguete com mais algumas “Fabulas” e outros causos sendo verdadeiramente “O Analista de Bagé”.
Atrevo-me, por hora, enveredando pelas elucubrações acima, apresentar a seguinte provocação:
Estamos sendo alvejados pela ira de Júpiter nesses dias?
…Só sei, que nada sei, e a cada segundo surgem novas inquietações para complicar mais minha tarefa em conversação do meu bem-estar na tentativa de manter gozo de viver nesses tempos de privações.
Ao encontro disso tenho feito discussões propositais, comigo mesmo para não cair nesse jogo tecnológico da “A Ilusão do Tempo” em conflitos ocos, com essa proliferação de FakeNews, sem o cunho da autorresponsabilidade sobre o simples Encaminhar, por fim, não menos importante a Uberização das relações que, em minha opinião, cada vez mais, tornam-se vis e oportunas e passam flertar com “A Agressividade Humana” .
Proteja-se e à medida do possível fique em casa, use álcool em gel durante “O Tempo e o Cão” para evitar o “Eu em Ruína”; reflita sobre “O Processo” atual, para, ao “Fim” disso tudo, continuar a ser “O Homem que Ri” da “Arte de Ter Razão”. E que tal aceitar “Um Presente do Mar” para fazer da vida uma nova normalidade de “Convívio” em solidariedade criativa com a mudança de rota para um lugar de “abrigo e proteção”, no real exercício de dividir a trindade do maná, leite e mel. Seria “A Causa Secreta” mais um segredo entre nós.
Toda essa história pode um dia virar livros, filmes, outras artes em modo geral, mas todas elas serão homenagens aos profissionais que usam “Capa Branca”, entre outros “Na Linha de Frente” que explanam ”Por Quem os Sinos Dobram”.
Imagina-se que ao final do Reality Show, a protagonista Covid-19, seja derrotada e eliminada por todos nós de maneira completa e global. E como prêmio, suponho de maneira geral que não queremos ser “Mais que um milionário”7, mas sim, vislumbrar a segurança de exercer o “trabalho honesto em vez de escravidão”, com dignidade laboral, conforme acordos e contratos, produzir, continuar a contribuir com a sociedade em seu crescimento monetário, qualificar as expertises do capital humano em cargos e ofícios no intuito do sonhado salario, o famoso ganha-pão.
Esperasse a criação de um novo caminho, uma nova normalidade passe há existir para estes profissionais, de um modo geral saiam da cena coadjuvante para as principais a ser lembrados, além da Gratidão, que preenche e alimenta a alma em sua essência, paixão, ética pela lide vocacional e profissional.
E que nossos líderes em realtime, elaborem Políticas Públicas acessíveis, que sejam transparentes em seus atos, e unicamente administrar nossa Nação. Invés de propagar a domesticação irracional e incentivar manifestações de ódio em massa. Exerçam a verdadeira mudança de práticas obsoletas começando pelas rotineiras convocações e determinações surpresas na calada das noites conduzidas por ações sôfregas e mal planejadas até então. Usem a simetria como base política para o bem estar coletivo para evitar depressões insaciáveis para com a angústia de fatos. Não seja ético apenas sob à luz dos holofotes deste boom midiático em sua vastidão implicadas a crise pandêmica. Esteja diariamente ao valorizar um, duas, três, todas as vidas possíveis.
Em tese no futuro breve o mundo fará a descoberta cientifica e a usará contra o tal vírus que nos avassala e nos paralisa.
Fator este que intui diminuir a desigualdade social, melhorar a infraestrutura e saneamento básico, reconhecimento da sociedade civil, empresários, empreendedores e assalariados, comunguem o bem coletivo em ajudar quem mais precise…
Depois desse breve desvio voltemos ao título: À Paralisia da Angústia: mudança de rota… mas é quando deparo com o artigo “O Tempo na Análise”, de Pierre Arel8 e intuí sobre a seguinte frase:
“parece portanto, que o problema do funcionamento pulsional…se coloca segundo uma articulação entre uma eternização quase-alucinatória, e uma temporalidade que só encontra seu rigor no batimento da cadeia significante e não como se diz depressa demais, no retorno a realidade”9
…com isso, remeto-me a repetir aqui, uma história que, suponho, todos conhecem, mas vale lembrar o percurso deste quase-humano mito. Este sim um mito. Falemos, portanto, de Sísifo.
Rei de Corinto, habilidoso, perspicaz, um exemplo de liderança e esperteza, ainda que em seus tempos, não houvesse softwares e soluções programadas em Nuvem10 para livrá-lo de seus infortúnios. Restava-lhe apenas como instrumento a linguagem, a ser usada com parcimônia e de maneira pedagógica a procura do sucesso durante essas adversidades.
Mesmo com a 4ª Revolução Tecnológica e o florescimento das Inteligências Artificiais ao pulsar dos algoritmos na Era Digital, ainda não conseguimos desprogramar as incertezas do futuro. No avançar das leituras vejo o livro, O Conceito de Angústia, (1844), de Kieerkegaard e a seguinte passagem:
“A angústia pode ser comparada à vertigem. Quando o olhar imerge num abismo, existe uma vertigem, que nos chega tanto do olhar como do abismo, visto que nos seria impossível deixar de o encarar. Esta é a angústia: vertigem de liberdade, que surge quando, ao desejar o espírito estabelecer a síntese, a liberdade imerge o olhar no abismo das suas possibilidades e agarra-se à finitude para não soçobrar”
…por este motivo, com o dever de olhar a História, consigo encontrar registros de outras civilizações que viveram crises dos mais diversos dramas, diante de uma vertigem abissal e similar. Longe de querer minimizar a atualidade desses percalços em suas tragédias, mas sim, em sugestão a aproveitar esses inputs, para de carona criar novas rotas para as sinapses cerebrais, sine qua non, que em “mares tranquilos não produzem bons marinheiros”.
Ulisses, não estava sozinho nos mares, além da sua própria precisava proteger e garantir as vidas de seus companheiros. Pausa para “Cogitações”…
Hipoteticamente isso poderia justificar os pretextos de Kieerkegaard, conscientes e incertos da atual tempestade angustiante. O que temos agora, além de Impotência; Raiva; Subserviência e o Medo? São nada melhor que a paciência de esperar “O Valor do Amanhã” .
Desde os tempos mais primordiais somos sujeitos limitados, laboriosos, com repentinas sensações de pavor, angústia e dor em nossa gênese; buscamos a completude para a falta, mas sem saber como, principalmente com o tempo presente.
Novamente a angústia é protagonista e para muitos estudiosos, ela é, o cerne da teoria e prática freudiana, inclusive para mim. Somos apenas peões na agonia da captura en passant, “destes dias tão estranhos” que avassalam nossos símiles humanos. Contrariando as estatísticas do Deep Blue, tento ousar novos lances à mora de estar cidadão para compreender do universo socioeconômico que vivo, com as evidências psicanalíticas e filosóficas.
E na tentativa de seguir as recomendações dessa quarentena continuo a aprofundar minhas leituras, exerço minha escrita com o propósito de fortalecer o pensamento crítico e aprofundar meus conhecimentos sobre a Angústia.
Seguem dicas para a leitura.
- Conferências Introdutórias à Psicanálise, (1916-17)11;
- Além do Princípio do Saber, (1920);
- Inibição, Sintoma e Angústia12, (1926) e
- Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise e Outros Trabalhos (1932-36).
Em poucas palavras, contudo afinadas e harmoniosas a Angústia13 significa “medo perante ameaça real/imaginaria”.
Além dos escritos de Freud, acima, deixo como sugestão outras obras do dinamarquês Kieergaard:
- Temor e Tremor, (1843):
- A Repetição, (1843) e
- O Desespero Humano (1849).
Vale ressaltar aqui que não há referências na biografia freudiana sobre ele ter estudado Søren, que faleceu aos 42 anos. Outra semelhança de pensamentos, talvez, por aquilo vivido por ambos podemos encontrar neste fato da projeção ao futuro, em Freud no texto Recordar, Repetir, Elaborar, (1914), e em Kieerkegaard na amplitude de sua obra.
Nessa discussão proponho um diálogo assíduo entre Psicanálise e Filosofia, com portas abertas, para outros estudos, principalmente da Religião. De modo que cada visão possa contribuir ao encontrar semelhanças como as vistas e apresentadas aqui, com o único consenso que só a determinação e a dedicação poderá levar à nós, simples humanos a ser arrebatados em momento pela angústia a espera de um mundo melhor ou o vir a ser… em nossas próprias subjetividades diante da fé, a sua essência e a realidade.
Recorro ao Todo o Dever do Homem14, de Eclesiastes, para salientar o parágrafo precedente:
12.10 – Procurou o pregador achar palavras agradáveis, e escreveu com acerto discursos plenos de verdade.
12.11 – As palavras dos sábios são como aguilhões; e como pregos bem fixados são as palavras coligidas dos mestres, as quais foram dadas pelo único pastor.
12.12 – Além disso, filho meu, sê avisado. De fazer muitos livros não há gim; e o muito estudar é enfado da carne.
12.13 – Este é o fim do discurso; tudo já foi ouvido: Teme a Deus, e guarda os sentimentos; porque isto é todo o dever do homem.
12.14 Porque Deus há de trazer a juízo toda obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.
E sem apelar a títulos de livros dessa vez, finalizo e pergunto-lhe qual sua opinião sobre isso tudo?
As palavras em negrito entre aspas encontradas neste artigo, são nomes de alguns livros que possuo em minha biblioteca. Veja a lista em ordem alfabética na tabela:
As frases em itálicos, sublinhadas entre aspas são citações encontradas nas músicas; Fábrica, (1986), Perfeição, (1993) e Teatro dos Vampiros, (1991), todas da banda brasileira Legião Urbana.
Na oitava da casa da vida… Malba Tahan, (Do livro de Céu de Allah)
No tempo em que eu vivia do comércio de algodão conheci, na memorável cidade do Cairo, um homem singularmente estranho. Não pretendo conservar em segredo o seu nome. Direi que se chamava Musafir Nasser. A nossa amizade nasceu durante longa e acidentada viagem que fizemos às terras de Faium, onde Nasser fora estudar a cultura de algumas roseiras raras do Egito. E não errei ao admitir, desde o nosso primeiro encontro, que o jovem colecionador de rosas tinha a alma esclarecida de autêntico filósofo oriental. Sua maneira de falar era clara, persuasiva, e suas imagens, imprevistas às vezes, mas felizes sempre, abriam oásis de serenidade em nossos pensamentos. Até hoje (e já lá vão três dezenas e meia de anos!), até hoje, repito, conservo na lembrança algumas frases, paradoxos e pequenos apólogos, em estilo pitorescamente divertido, que tive a ventura de ouvir do erudito egípcio.
Uma tarde, ao entrar no elegante Clube Libanês, esbarrei, casualmente com Nasser. Abandonara os seus trajes orientais de bom muçulmano, desfizera-se do tradicional fez carmesim e vestia-se como um ricaço europeu, à moda inglesa.
Em tom prazenteiro, denotando como sempre amistoso interesse, perguntou-me:
– O que vens fazer aqui? O que pretendes nesse belo caravançará?
E, sem esperar resposta, acrescentou com uma intimativa amável:
– Queres jogar uma partida de xadrez?
Aceitei, sem hesitar, o cativante convite. Nada mais agradável, para recrear o espírito, do que jogar xadrez com esclarecido filósofo. Perdemos a partida, sofremos o desdouro do xeque-mate, mas ouvimos do adversário sábios conselhos e judiciosos ensinamentos que nos indenizam sobejamente dos azares da derrota.
Acomodamo-nos numa das mesas no fundo da sala de jogo e Salim, o esperto boy, trouxe-nos um tabuleiro, acompanhado das respectivas coleções de peças: torres, cavalos, bispos, damas, reis e peões.
No momento em que íamos arrumar as peças e dar início à primeira partida, Musafir Nasser fitou-me muito sério e interrogou-me:
– Ah! Antes que me esqueça! Soube por um amigo, que estiveste hoje com o ministro Bechara-Bey. Foste bem sucedido em tua entrevista?
– Avistei-me com esse magnata – respondi – mas não fui nada feliz. Sei que a justiça milita a meu favor, mas Bechara-Bey não quis ouvir as alegações que tentei formular nem concedeu a menor atenção aos documentos que apresentei. Recebeu-me mal, com indisfarçável grosseria. As suas atitudes diante de mim foram desatenciosas e, por vezes, ríspidas. Em dado momento tive ímpetos de agredi-lo. Contive-me para evitar o escândalo.
-E tinha ele algum motivo para proceder dessa forma indelicada? – inquiriu Nasser em tom grave.
– Não havia razão alguma – declarei, logo arrebatado. – Entre nós jamais houve (nem próximo, nem remoto) o menor ressentimento. Ao contrário. Fomos bons companheiros de infância, frequentamos juntos o mesmo colégio. Sempre o tratei com simpatia. De mim só recebeu atenções. Várias vezes o auxiliei em seus estudos. Entre nós nunca houve cerimônia. Era tu-cá-tu-lá! E agora, que se vê com prestígio político aboletado num cargo de destaque, recebe-me com insolente desprezo e tenta humilhar-me. É uma afronta, não achas?
– As tuas queixas – voltou Nasser muito sério – as tuas queixas são, a meu ver, justas. A razão está cem por cento de teu lado, mas a atitude arrogante e descortês do ministro não devia surpreender a um homem que tivesse mediana experiência da vida.
– O filósofo falava lentamente, com seus olhos muito vivos e inquietos, fitos em mim, enquanto virava e revirava, entre os dedos, um peão branco que ele apanhara, ao acaso, entre as peças do jogo. E, depois de curto silêncio, prosseguiu pensativo:
– Não deves ignorar, meu amigo, que o ministro Bechara-Bey, com toda a sua mediocridade, já atingiu a oitava casa da vida! E, quando um político atinge a oitava casa da vida, dele tudo é possível esperar!
Oitava casa? O que pretendia Musafir Nasser concluir com aquela nova fantasia? Como ele tentaria colocar aquela “casa”, apontada como a oitava, na vida?
Antes que eu o interpelasse, Nasser esclareceu o enigma:
– Estás vendo este peão? É a peça mais fraca do jogo de xadrez. Nada vale diante das outras. No decorrer da partida, o insignificante peão vai avançando de casa em casa. Protegido pelo rei, sob o amparo da dama, auxiliado pelos bispos, vai o peãozinho galgando o tabuleiro, subindo sempre. Para salvá-lo, outros peões são, por vezes, sacrificados. O rei leva xeques e a dama, com o seu prestígio, corre de um lado para outro, fugindo aos cavalos inimigos e desviando-se das torres atacantes. Chega, afinal, o peão à última casa, isto é, à oitava casa! Ao atingir a derradeira casa do tabuleiro, nosso glorioso peãozinho não pode permanecer peão; de acordo com as regras do jogo, é obrigado a transformar-se em dama, torre, bispo ou cavalo!
Fez Nasser ligeira pausa e logo retomou o fio de suas considerações, falando com fluidez e brandura:
– O que ocorre com os peões, no tabuleiro de xadrez, acontece precisamente, com os homens no imenso tablado da vida. Aquele que é feliz sobe, faz carreira; exatamente como no caso do minúsculo peão, recebe o auxílio do rei; é protegido pela dama; não se afasta da sombra prestigiosa dos bispos. E, tomando peças, agredindo, ludibriando ou preterindo os peões mais fracos vai o felizardo se elevando até implantar-se num cargo de prestígio. Ei-lo, afinal chefe, diretor, ministro, general ou presidente: alcançou, desse modo, a sua oitava casa da vida!
Ao atingir o ponto culminante de sua carreira – como acontece ao peão do tabuleiro, o nosso herói sofre completa metamorfose. Transforma-se em outra peça. Passa a agir de maneira diferente adquire novas regalias e movimentos.
Aquele que é dotado de boa índole, e tem sólida formação moral, converte-se, no termo glorioso de sua carreira, numa perfeita dama. Torna-se fino, delicado e prestativo. Os seus auxiliares o admiram e estimam. – “O nosso chefe – proclamam com orgulho – é uma verdadeira dama!” – E esse juízo exprime a verdade mais enxadrística e humana que conheço.
Nesse ponto o xeique filósofo fez ligeira pausa e logo prosseguiu serenamente:
– Apontemos, porém, o hipócrita, o bajulador, que ao chegar ao ponto alto de sua carreira se transforma em torre, torre da sabujice.
Quer parecer, aos que não o conhece, que é invulnerável em seus princípios de honradez; afivela no rosto a máscara do cinismo; finge-se possuidor de vigorosa e inabalável base moral. Mas, na verdade, é desleal e invejoso. A sua ideia fixa é derrubar, ferir e aniquilar aqueles que o ampararam. O antigo e pérfido peão, mal se vê torre, imagina que pode realizar um roque e ir para a casa do rei!
Há, ainda, o modesto peãozinho que ao atingir a oitava casa vira bispo. Revestido de novo poder, com movimento livre no tormentoso tabuleiro da existência, corre em auxílio dos fracos, daqueles que se acham sob a ameaça do xeque-mate da adversidade. Transforma-se num sacerdote do bem. O seu desejo é servir, e servindo realiza o seu ideal.
Vamos encontrar, finalmente, o peão que, mal atinge o final da carreira, se converte em cavalo. Privado, assim, da razão que esclarece e nobilita, entra a dar coices a torto e a direito. Torna-se estúpido e grosseiro. Cheio de empáfia, julga-se criatura superior, mas, na verdade, não passa de mísera cavalgadura, enlambuzada de torpezas. Bufa indelicadezas e selvagerias diante dos humildes e rincha sabujices e servilismo quando pretende conquistar a estima dos poderosos. Mesquinho e deplorável é o destino do infeliz Sancho transformado em Rocinante.
E Musafir Nasser rematou suas considerações com este judicioso conselho que jamais esquecerei:
– Se algum dia, meu amigo, amparado pela sorte, sob o prestígio de teus amigos, ou à custa do teu esforço, e predicados, conquistares o teu lugar na oitava casa da vida, transforma-te em dama. Se tal mudança não for possível, faze-te bispo (mas bispo de verdade). Se tiveres vocação para torre, afasta-te do caminho da falsidade e procura ser leal com teus companheiros. Mas – pela glória do nosso Profeta – evita a tua transformação em cavalo! Triste, bem triste, é o destino daquele que se converte em besta na oitava casa da vida!
Autor desconhecido
Eu estava em frente ao meu armário, diante dos meus livros, e aí resolvi perguntar a alguns dos grandes escritores brasileiros o que eles estão achando dessa crise. Olhem o que eles responderam:
Drummond – E agora, José?
Olavo Bilac- O medo é o pai da crença.
Monteiro Lobato- Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.
Manoel Bandeira – Vou-me embora para Pasárgada.
Rubem Alves – Ostra feliz não faz pérolas.
Ruy Castro – O mal-humorado é alguém sem imaginação.
Machado de Assis – Divindade não destrói sonhos, Capitu, somos nós que não fazemos acontecer.
Luís Fernando Veríssimo – O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença.
José de Alencar – O amor, porém, é contagioso…
Vinicius- De tudo ao meu amor serei atento.
Guimarães Rosa – Viver é um rasgar-se e remendar-se.
Euclides da Cunha – Viver é adaptar-se.
Clarice Linspector – Nāo se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.
Jorge Amado – Se viver não é fácil, conviver é um desafio permanente.
Cecilia Meireles – O vento é o mesmo, mas a resposta é diferente em cada folha.
Cora Coralina – Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores.
Notas e Referências
[1] https://tempoanalise.com.br/o-poco-o-banquete-e-seus-efeitos-colaterais/
[2] https://www.malbatahan.com.br/bibliografia/obra-completa/
[3] CinePsi link TA: https://tempoanalise.com.br/listagem-de-filmes/#ocavalodeturim
[4] https://www.youtube.com/watch?v=HmVPhDuYmQA veja em 2:46 (Supõe-se que Belá Tarr tenha sido autor dessa relevante frase. Nos registros de Nietzsche não localizamos essa menção.
[5] Referência ao Isolamento Social.
[6] https://tempoanalise.com.br/a-vontade-como-antidoto-ao-nosso-desespero-kierkegaardiano/
[7] Don M. Green, Citadel, 2019. Este livro não tenho e por enquanto não o li, mas ousei em usar.
[8] Dicionário de Psicanálise Freud & Lacan, Ágalma, Salvador, 1998
[9] C.LACOTE, Comment parler de l’oralité selon les concepts lacaniens, in Dicionário de Psicanálise Freud & Lacan, Ágalma, Salvador, 1998.
[10] https://pt.wikipedia.org/wiki/Computa%C3%A7%C3%A3o_em_nuvem
[11] 3ª Parte: Teoria Geral das Neuroses, cap. 25, A Angústia.
[12] Também traduzida por Inibições, Sintomas e Ansiedade.
[13] Dicionário Comentado do Alemão de Freud, Hanns, Luiz, Rio de Janeiro, Imago, Ed. 1996.
[14] http://bibelstudien.org/portugues/webs/biblia/at/21_eclesiastes.htm